Á RISCOS DE UM MERGULHO RECESSIVO DA ECONOMIA BRASILEIRA
- Marianna Ribeiro Oliveira
- 15 de abr.
- 10 min de leitura

Paulo R. Haddad
Os economistas tendem, frequentemente, a serem reféns do Princípio de Pollyanna, que consiste em extrair algo positivo mesmo das coisas mais desagradáveis ou desfavoráveis, assumindo atitudes ingênuas diante de situações dramáticas, sofridas ou até mesmo catastróficas. Quando têm de elaborar e implementar uma política econômica, quase sempre se deixam guiar pelos princípios da eficiência e não da confiabilidade, o que lhes induz a falar com otimismo e platitude sobre os resultados esperados.
Esse cândido otimismo os leva, quase sempre, a despir a política econômica de redundâncias protetoras, de salvaguardas corretivas dos rumos adotados inicialmente diante de eventuais equívocos das suas predições condicionais. Essas redundâncias protetoras significam que, se a política econômica for construída a partir de modelos abstratos, sem incorporar componentes institucionais e psicossociais da realidade histórica sobre a qual intervém, é grande a chance do seu fracasso contingente.
São necessárias indicações de caminhos alternativos, complementares e, eventualmente, redundantes. Por isso, é sempre recomendável que, na concepção de uma política econômica, se substituam as normas de eficiência por normas de confiabilidade, visando a manter o sistema em adequado funcionamento em circunstâncias de rotina, bem como em circunstâncias hostis e inesperadas. As normas de confiabilidade se orientam, prudentemente, mais no sentido de evitar o fracasso do que para garantir um retumbante e imaginário sucesso, tornando as políticas econômicas mais resistentes a choques exógenos, a efeitos inesperados e a falhas comuns nas predições condicionais.
Nesse sentido, diante da atual crise do tarifaço, errático e inconsistente, decretado pelo Presidente Trump, muitos economistas tendem a acreditar que são mínimas as chances de que haja um mergulho recessivo da economia brasileira com os seus impactos dramáticos sobre os níveis de renda e de emprego, isto porque atribuem as decisões a traços da personalidade e ao estilo pessoal do Presidente e que, diante dos impactos desastrosos mundo afora, mudanças radicais deverão ocorrer na direção da sua política econômica em tempo oportuno. Alguns dos nossos economistas acreditam até mesmo, numa atitude panglossiana, que ao fim e a cabo, o Brasil poderá ter ganhos positivos de comércio na nova ordem econômica internacional.
Na verdade, o que o Presidente Trump está realizando é uma manifestação política de um sentimento (ou ressentimento) da população norte-americana quanto à perda de emprego por parte de grupos sociais em diferentes setores produtivos e regiões, ao empobrecimento de importantes segmentos da classe média, simultâneo à brutal concentração de renda e de riqueza, no topo de 1% da pirâmide social (concentração dentro da concentração) e a emergência de uma nova super-potência ao nível mundial (a China) que tende a ser a maior economia do Mundo.
Anne Case e Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia de 2015, investigaram a expansão vertiginosa das diferentes causas de mortes nos EE.UU., as quais denominam “mortes de desespero”: suicídios, overdoses e alcoolismo. Analisaram, principalmente, o grupo de renda média na faixa etária de 45 a 54 anos da população branca dos EE.UU., dividindo-o por nível de educação. O subgrupo com menor nível de educação perdeu, entre 1979 e 2017, 13 por cento de seu poder de compra, sendo que os salários dos trabalhadores norte-americanos ficaram estagnados durante meio século. Empregos não são apenas a fonte de renda e de projetos profissionais, mas a base de rituais, costumes, rotinas e hábitos de consumo da vida dos trabalhadores, os valores culturais que contribuem para o seu equilíbrio emocional.
Os autores consideram que o EE.UU. estão experimentando uma verdadeira catástrofe através das mortes de desespero entre aqueles que não têm curso superior ou nível de especialização apropriado para os processos e as tecnologias das novas revoluções industriais. Os seus empregos foram substituídos pelas importações de outros países (principalmente da China) ou pela automação robótica nas fábricas. Com a saúde abalada, esse grupo social se encontra diante do pior sistema de saúde pública entre todos os países mais ricos do Mundo, ao qual podemos contrapor o nosso SUS que demonstrou, apesar de inúmeras dificuldades financeiras e organizacionais, excelente desempenho institucional na pandemia da COVID-19.
Politicamente, o nível de insatisfação popular com o “Estado Geral da Nação” encontrou, no processo de globalização econômica e financeira, um falso argumento (uma razão de ser) para explicar a decadência relativa da economia norte-americana prenhe de renda e de riqueza socialmente concentradas, de perda de competitividade sistêmica, de externalidades ambientais negativas.
É a maioria dos eleitores norte-americanos que escolheu um mandato presidencial de estilo nacionalista e protecionista para os próximos anos que, a todo custo, tentará eliminar os mega déficits da balança comercial que consideram como o mecanismo de expropriação da riqueza e da renda do povo utilizando uma falácia lógica do tipo post hoc ergo proper hoc (o galo canta antes do nascer do sol mas o sol não nasce porque o galo canta).
Embora atabalhoado e casuístico, o protecionismo tem sido mais agressivo na gestão Trump. Essa onda de protecionismo é uma macro tendência que vem de muitas administrações anteriores, como na gestão do Presidente Biden (por exemplo: em agosto de 2023, os Estados Unidos assinaram um decreto para filtrar investimentos americanos na China em três setores muito sensíveis: os semicondutores, a informática quântica e a IA, a fim de evitar que investimentos americanos aumentem a dependência do país em relação à China). Assim, o tarifaço não é uma resultante de um governo populista que assumiu indevidamente ideias zumbi (que morreram mas insistem em ficar entre nós), mas a expressão da maioria de uma população que se acha “espoliada e lesionada no processo de globalização econômica e financeira”.
Assim, o tarifaço de Trump, ainda que possa sofrer mudanças na margem para acomodar os interesses políticos dos EE.UU. ou dos magnatas financeiros e industriais, está enraizado numa concepção de um governo nacionalista e protecionista que veio para ficar. Como diz o Centre d’ Études Prospectives e d’ Informations Internationales (CEPII), o principal centro francês de pesquisa e de expertise em economia internacional em seu relatório “L’économie Mondiale 2025”, quando o principal player do comércio mundial desencadeia um processo de protecionismo, a onda se propaga por muitos outros países, sob a forma de retaliação ou de igual proteção das indústrias nacionais... estamos presentemente passando para um mundo de choques de demanda para um mundo de choques de ofertas no qual as políticas econômicas deveriam ser repensadas”.
Enfim, os EE.UU. estão naquela situação que Gramsci definiu: quando o velho não morreu e o novo não nasceu, coisas estranhas acontecem. No caso dos EE.UU., essas coisas estranhas estão relacionadas com o desmonte de um império econômico.
Como repensar a política econômica do Brasil nesse contexto em que novos choques de oferta tendem a se multiplicar com a crise do tarifaço de Trump, que terá a desvirtude de desmontar as poderosas cadeias de valor, as quais, ao serem estruturadas, levaram ao período denominado de Grande Moderação de baixa inflação e estabilidade cíclica, quando o maior beneficiário foram os EE.UU., durante mais de meio século?
Podemos estabelecer três observações: 1. se ocorrer um impacto recessivo na economia brasileira, não se deve modificar substancialmente a atual política econômica através de alguma medida heterodoxa do tipo de baixa da taxa básica de juros por comando e controle; 2. a atual política econômica é uma política de estabilização monetária com um objetivo único (inflação na meta) e um instrumento único (controle do déficit fiscal consolidado); 3. é possível estabelecer uma política de desenvolvimento (anticíclica) através de projetos compatíveis com o equilíbrio fiscal.
A política econômica que está sendo construída pelo Governo é absolutamente indispensável para o controle da inflação e a formação de um ambiente de negócios favorável à expansão do consumo e do investimento no País. Essa política é capaz de reduzir drasticamente as taxas inflacionárias que, ao fim e a cabo, acabam sendo um imposto que incide sobre a renda dos grupos de baixa renda, os mais pobres e miseráveis. É capaz também de promover o equilíbrio macroeconômico e evitar a desorganização da economia de mercado, como tem ocorrido na Argentina.
Contudo, embora essa política possa contribuir para criar as condições necessárias para a retomada do crescimento, através do tripé de reformas político-institucionais (tributária, previdenciária, administrativa), ela não é suficiente para criar um ciclo de expansão da economia. Esse ciclo é indispensável, inclusive para equacionar o déficit fiscal de forma consistente e resiliente. O déficit fiscal veio se estruturando desde os anos 1990, quando cresceram geometricamente as despesas públicas para financiar as políticas, programas e projetos arquitetados na Constituição de 1988 e legitimadas por um processo democrático de consulta popular e, ao mesmo tempo, crescia mais lentamente a base tributável devido à lenta expansão da economia brasileira desde os anos 1980, mesmo considerando o crescimento espasmódico durante os anos pós-Plano Real, os anos do boom das commodities e o renivelamento da demanda agregada pós-pandemia da COVID- 19.
Entretanto, enquanto persistir o hiato estrutural entre despesas e receitas nos orçamentos dos três níveis de governo, não há de fato outra alternativa a não ser a de reprogramar recorrentemente o OGU, através das práticas de cortes de despesas e de contingenciamentos, o que poderia ocorrer ao longo de todo um mandato, a não ser que se organize e se implemente um programa de desenvolvimento sustentável. Mas, esse tipo de modelo fiscal expansionista não tem o poder de ativar a retomada do crescimento da renda e do emprego no País de forma sustentada e sustentável.
No entanto, não podemos deixar de elaborar uma estratégia de crescimento econômico no atual contexto de desestruturação da ordem econômica mundial que está criando um ambiente de incertezas, o qual poderá nos levar a um mergulho recessivo, a mortes de desespero e a graves tensões políticas. Os projetos que irão compor essa reação às incertezas criadas pelo sentimento do povo norte-americano devem ser os de grandes projetos de investimento (GPIs) com elevado grau de confiabilidade e que consideram as condicionalidades e restrições prevalecentes. Trata-se de ampliar a riqueza redundante da política de equilíbrio fiscal expansionista através de uma trajetória complementar.
Há um longo caminho a ser percorrido para que se equacionem os conflitos e as tensões geradas pelo tarifaço proposto por Trump. O Brasil não deve fica à espera de que surja “um novo normal” na ordem econômica internacional. Deve exercer o seu poder soberano para estruturar políticas de crescimento que evitem um mergulho recessivo com suas mazelas socioeconômicas e socioambientais e, principalmente, que atuem como salvaguardas para mitigar o campo de incertezas em que se transformou a economia globalizada.
O nosso dilema é, pois, construir e implementar um ciclo de expansão com a condicionalidade de não se desorganizar ou de se desestruturar a atual política de estabilização monetária, a qual vem se mantendo, ainda que sob enorme pressão vinda dos setores mobilizados da classe política e de segmentos da sociedade civil organizada. Para isso, é fundamental que os programas e projetos que irão compor um novo ciclo de expansão tenham pelo menos as seguintes características:
1. sejam programas e projetos de desenvolvimento sustentável que atingem um processo de crescimento econômico globalmente competitivo, inclusivo na distribuição dos frutos do crescimento com justiça social entre famílias e regiões, e sustentável na preservação, conservação e recuperação dos ecossistemas dos seis Biomas (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrados, Caatinga, Pantanal e Pampas);
2. o financiamento dos programas e dos projetos seja não inflacionário e compatível com os objetivos da política de estabilização para evitar pressões adicionais sobre a estrutura dos gastos públicos;
3. sejam programas e projetos em fase avançada de amadurecimento político-institucional para fins de implementação ou porque já estão em processo experimental finalístico ou porque já estão em fase operacional bem sucedida, ou seja realístico dentro do atual contexto histórico do Brasil e do Mundo respeitando os limites do possível;
4. que tenham passado pela avaliação financeira tradicional com sucesso, assim como pela avaliação socioambiental do Banco Mundial/OCDE/BID com positiva taxa interna de retorno social;
5. que contribuam intensamente para viabilizar soluções para os principais compromissos assumidos pela atual administração do Governo Federal e dos Governos Estaduais durante o processo eleitoral de 2022, a fim de que possam assumi-los e liderá-los com intensidade e determinação política.
Dois grandes projetos de investimento se enquadram nessas características: a. O Terceiro Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira; b. A Exploração de Petróleo na Margem Equatorial Brasileira.
O Terceiro Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira*
É historicamente realista formular uma estratégia para a elaboração e a implementação de um novo ciclo de expansão da agropecuária brasileira, baseada nos seguintes fatores:
1. do lado da demanda, a abertura dos mercados da China para produtos agropecuários do Brasil, a partir dos 37 acordos assinados entre os dois países em novembro de 2024;
2. do lado da oferta, o aumento da produtividade da agropecuária brasileira a partir do Terceiro Salto Científico e Tecnológico que favorece a produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas;
3. a disponibilidade de poderosas instituições públicas e privadas capazes de manter dinâmicas as inovações schumpeterianas reestruturantes ou incrementais da agropecuária brasileira;
4. a logística de acessibilidade ao mega porto de Chankay, no Peru, construído por capitais privados da China para o escoamento da produção agrícola e mineral da América Latina;
5. a disponibilidade de uma nova geração de empreendedores que vêm acumulando experiências inovadoras a partir da “revolução dos cerrados”, em várias regiões do Brasil.
Instituto Fórum do Futuro: As Soluções Sustentáveis que vêm dos Trópicos. Brasília, 2025.
Exploração de Petróleo na Margem Equatorial da Amazônia*
Considerando que:
a. a transição energética poderá durar até meio século antes que se possa dispensar o uso da energia do petróleo e do gás;
b. o Brasil precisa retomar um processo de crescimento econômico sustentado (contínuo e estável) e sustentável (prosperidade + justiça social + sustentabilidade);
c. há experiências nacionais e internacionais da arquitetura de grandes projetos de investimento (GPI), que permitem, em muitos contextos, conciliar eficiência econômica e sustentabilidade ambiental; a ANP estima que a Margem Equatorial tenha mais de 30 bilhões de barris de petróleo.
Baseando-se em novos avanços do conhecimento científico e tecnológico, propõe-se que:
1. haja elaboração de dois projetos integrados para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, um de conservação e preservação ambiental, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outro das atividades diretamente produtivas, elaborado pela PETROBRÁS, ambos financiados pela PETROBRÁS;
2. os dois projetos sejam concebidos como projetos de desenvolvimento sustentável segundo o trilema global ético (prosperidade-consumo de massa + justiça global + sustentabilidade ecológica);
3. a operacionalização dos projetos deve ter os seus cronogramas físicos e financeiros integrados com previsão de avanço simultâneo;
4. a supervisão do processo de implantação dos projetos deve ser realizada conjuntamente pelo MMA e a PETROBRÁS;
5. como na criação da CVRD em 1942, 8% do lucro líquido gerado pela PETROBRÁS na Margem Equatorial devem ser destinados a uma Reserva sob a gestão do MMA, com objetivo de apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia, inclusive projetos de diversificação da base econômica nas áreas de impactos diretos da exploração do petróleo e gás para evitar a formação de enclaves econômicos regionais;
6. o arcabouço dos dois projetos integrados deve ser concebido segundo os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU;
7. caso não haja consenso entre o MMA e a PETROBRÁS sobre a concepção e a implementação dos projetos, é recomendável pelo PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO que a exploração de petróleo na Margem Oriental seja postergada.
Instituto Fórum do Futuro: Uma Nova Política Econômica. Paulo R. Haddad - Brasília, 2025
Uma política econômica é pobre quando, por falta de redundâncias, uma falha de uma de suas partes pode colocar toda a política em perigo. Quando, por exemplo, no segundo semestre de 1986, o sucesso do Plano Cruzado ficou na dependência do congelamento de preços, as chances de fracasso ampliaram-se. Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990, recomendava: Estado mínimo, equilíbrio fiscal, controle da dívida pública, o crescimento virá por acréscimo e TINA (There is no alternative). Entretanto, quando o controle fiscal é lento e prolongado, o crescimento pode demorar muito ou até não vir. Em tempos de crise, sejamos redundantes em matéria de política econômica.
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