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CHINA, OTAN, RÚSSIA E O AGROBRASIL






Artigo Por Pedro Abel Vieira[1], Antônio Marcio Buainain[2] e Roberta Dalla Porta Grundling[3].


Durante a Guerra Fria, que durou entre 1947 à 1989, as duas potências protagonistas se enfrentaram indiretamente, em palcos regionais, mas salvo pelo episódio dos mísseis de Cuba, sem riscos aparentes de um conflito armado direto entre as duas potências. Com o fim da Guerra Fria, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar intergovernamental criada em 1947 para a defesa coletiva dos seus Estados-membros, ingressou mais ativamente no campo da diplomacia cooptando vários países do antigo Pacto de Varsóvia e do Grupo de Vilnius. Nesse cenário, a Ucrânia, importante ente das antigas Repúblicas Socialistas Soviéticas, vem sendo assediada pela OTAN, o que gera desconforto à Rússia. Importante anotar que o ingresso na OTAN consta da constituição ucraniana.


A massiva presença militar da Rússia na fronteira da Ucrânia está abalando a ordem geopolítica vigente desde o fim da Guerra Fria, com impactos visíveis nos mercados. A Rússia, que tem a seu favor a longevidade e obstinação de seu líder Putin em retomar a importância mundial, vem patrocinando lances ousados, a exemplo da ativa participação na Síria e a invasão e ocupação da Crimeia. Os Estados Unidos da América, devido a erros estratégicos e falta de coesão interna, vêm assistindo à degradação de seu poder mundial e a ascensão da China quase como espectadores, incapazes de formatar medidas efetivas para manter sua liderança diplomática e econômica no mundo. No vácuo da liderança estadunidense e face às crescentes escaramuças russas, a União Europeia ensaia um protagonismo limitado por interesses nacionais distintos. A Alemanha reitera sua confiança na OTAN, mas desenvolveu laços de dependência econômicos com a Rússia que na prática limitam as reações, o que é percebido como uma ameaça.


A recente ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia é mais um lance na redefinição da ordem geopolítica mundial, que, tradicionalmente, se faz mais no campo da retorica do que das armas propriamente dita. Nesse caso, a recente tentativa de mediação da crise pela França explicita a fragilidade da OTAN e o consequente desgaste na liderança dos EUA. Por outro lado, o diálogo entre a Rússia e a China explicitam que a estratégia de Putin está surtindo efeito.

Todos esperam que a ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia, sob o pretexto da conter a aproximação da Ucrânia com a OTAN, não passe de mais um lance ousado de Putin no tabuleiro da geopolítica mundial. Blefes à parte, o episódio deixa evidente que a ordem mundial está em franca mudança e que a China, discreta em suas declarações, já se consolidou como um novo e poderoso componente na reorganização geopolítica. E aí vem a pergunta: quais as consequências para o agro do Brasil?


Antes de tudo, é preciso ressaltar a importância do Brasil para a agenda climática global e as consequentes implicações para a humanidade. Se a energia fóssil foi o vetor do desenvolvimento socioeconômico durante o último século, o sequestro de carbono o será no século em curso. Nenhuma região no globo terrestre tem tanta importância para a nova ordem de desenvolvimento quanto o Brasil, porém, é preciso transformar esse ativo ambiental em renda e desenvolvimento. Para tanto, são necessárias metas claras e exequíveis, a começar pelo fim do desmatamento ilegal e a reciclagem de resíduos. Em seguida são necessárias alterações profundas no modelo agrícola brasileiro, enfatizando aumento da produtividade sustentável dos recursos naturais – o que implica na recuperação das áreas degradadas, na substituição de insumos químicos por biológicos e no uso intensivo de tecnologias de comunicação.


Além da importância ambiental do Brasil para a ordem geopolítica que emerge, é importante ressaltar que, segundo o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, os dez principais mercados de destino das exportações agropecuárias brasileiras – China (34%), União Europeia-27 (15%), EUA (8%), Japão, Tailândia, Vietnam, Coreia do Sul, cada um com 2%, e Turquia, Irã e Indonésia com cerca de 1,6% cada – representaram aproximadamente 70% do valor exportado pelo Brasil. Ou seja, as exportações do agronegócio brasileiro são concentradas e se destinam tanto a um lado quanto ao outro na queda de braços que a Rússia patrocina. Além disso, a Rússia, apesar de representar 1% das exportações do agronegócio brasileiro, é membro dos BRICS e importante cliente das carnes brasileiras.


As exportações são argumento suficiente para o Brasil evocar moderação no reordenamento da geopolítica global, porém, uma simples busca nas notícias sobre a safra que se encerra dão outras pistas importantes. Apesar da divergência sobre a falta de defensivos e fertilizantes ser estrutural (https://www.canalrural.com.br/noticias/falta-de-defensivos-e-fertilizantes-agricolas-e-estrutural/) ou pontual (https://www.canalrural.com.br/noticias/falta-de-defensivos-para-a-proxima-safra-pode-ser-problema-pontual/), é patente que o Brasil sofreu certo desabastecimento de insumos durante a última safra. O Brasil importa aproximadamente 80% dos defensivos agrícolas que utiliza, tendo a China o maior fornecedor. Ao mesmo tempo em que a participação dos defensivos oriundos da China teve sua participação elevada em mais de dez vezes desde o ano 2000, fornecedores tradicionais como Estados Unidos e Argentina perderam importância e em 2020 cada um respondeu por cerca de 10% do total importado.


Índia, Israel e Dinamarca passaram a diversificar o grupo de fornecedores do Brasil, porém, essa diversificação é insuficiente ao se considerar a estrutura mundial do mercado de insumos agrícolas. De acordo com o Rabobank, em 2019, os sete principais exportadores mundiais (França, Alemanha, Estados Unidos, China, Índia, Reino Unido e Bélgica) concentraram mais de 70% do valor total das exportações globais. China e Índia dominam a produção de genéricos com destaque aos herbicidas na China e inseticidas na Índia. A localização geográfica das unidades de produção dessas empresas revela intensos fluxos de comércio intra e interfirmas, gerando economias de escala e de escopo praticamente intransponíveis aos novos entrantes. Além disso, a triangulação das exportações, a exemplo do glifosato da China para o Brasil via Argentina, limita ainda mais a competição.


No lado dos fertilizantes, segundo a Embrapa, o Brasil é o maior importador mundial, chegando a 80% do total necessário para suprir sua agricultura. De acordo com os dados da Comexstat, o Brasil importa principalmente da Rússia (22%), Canadá (11%), China (10%) e Marrocos (9%). Outros fornecedores importantes são Belarus, Israel, Alemanha e EUA.

A indústria mundial de fertilizantes e defensivos agrícolas é altamente concentrada e especializada impondo elevadas barreiras aos novos entrantes. Assim, como estratégia de curto prazo, não basta ao Brasil negociar a venda de produtos agrícolas, especialmente com a China e a Índia. É necessário incluir o fornecimento de insumos agrícolas na pauta das negociações.


Já a solução estrutural para o Brasil requer incentivar alternativas ao uso de defensivos químicos, em linha com o ‘capitalismo verde’, como, por exemplo, os bioinsumos. No Brasil, o uso de defensivos de base biológica já é uma realidade visto que tem crescido cerca de 10% ano e já substitui aproximadamente 3% dos defensivos químicos, com destaque para as culturas do algodão e a cana de açúcar.


É inegável a importância das exportações do agronegócio para o Brasil. A dependência do fornecimento de insumos do exterior, que a princípio é uma ameaça, deve ser considerada como uma oportunidade. Como qualquer negócio nascente, a produção de bioinsumos apresenta inúmeras oportunidades e riscos. Dentre os principais desafios globais estão a regulação da produção e do uso, afinal, os bioinsumos também podem causar danos à saúde humana e ao meio ambiente. Também é necessário promover uma logística específica para esses produtos, além de desenvolver insumos para produção, tecnologia de uso e capacitação dos usuários.


O Programa Nacional de Bioinsumos, apesar de ser um bom exemplo do potencial que o Brasil tem para gerar negócios e mitigar a dependência externa, não é suficiente. As decisões agora tomadas serão essenciais para garantir a posição geopolítica do Brasil no futuro, assim, não é hora de enfrentamentos, mas, de promover estratégias de longo prazo.

[1] Conselheiro do Fórum do Futuro, pedroabelvieira@gmail.com. [2] Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, buainain@gmail.com. [3] Economista, robertagrundling0209gmail.com

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