Um cenário tendencial se constrói por extrapolação, considerando o futuro como uma extensão ou projeção do passado. São feitas a identificação e a análise de tendências e padrões como base para predições sobre o futuro. Qual seria o cenário tendencial da economia brasileira, ao longo dos próximos meses, se o Governo Federal não conceber e implementar uma estratégia de saída da atual crise gerada no ciclo da pandemia?
A Economia não é uma ciência física com narrativas determinísticas, mas uma ciência construída pela ação dos homens e das mulheres no exercício de suas liberdades individuais e coletivas, em um contexto de instituições estruturadas pelas gerações passadas. Assim, cenários não são projeções, mas mapas de possibilidades e opções, particularmente úteis para contextos de rápidas mudanças.
Como diz Peter Drucker, o melhor cenário é aquele que construímos, principalmente quando o cenário tendencial tem uma sobrecarga de mazelas econômicas e sociais: baixo crescimento econômico, elevadas taxas de desemprego aberto e de subemprego, o empobrecimento da população, a contaminação da falta de esperança e desalento dos jovens no futuro do País.
Einstein afirmava que nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência que o criou. Não se pode esperar que a política de austeridade fiscal, mais cedo ou mais tarde, promova a retomada da expansão econômica levada pela "mão invisível" dos mercados. É preciso acabar com essa recessão econômica já! A nossa situação econômica e social é precária e tende a se deteriorar nos próximos meses.
As economias de mercado de vários países têm nos oferecido um verdadeiro mosaico de soluções bem-sucedidas para sair de crises. Na política monetária, Hyman Minsk dizia que "Pressões financeiras, na forma de compromissos de pagamentos com marcantes dívidas de curto prazo e valores declinantes de ativos, ameaçam tornar tensões financeiras em desastres financeiros. A fim de evitar uma crise abrangente, refinanciamento é necessário”.
O refinanciamento de famílias e empresas foi uma das saídas da economia norte-americana na crise de 2008. No Brasil, o Banco Central já registrou o recorde de endividamento durante a pandemia. Um refinanciamento radical, com taxas de juros típicas de períodos normais de estabilidade monetária e prazos bem longos para períodos pós grandes crises, poderá recuperar a renda disponível das famílias e dar sobrevida às micro, pequenas e médias empresas brasileiras.
Na política fiscal, há espaço para a dívida pública aumentar de 3 a 5 por cento do PIB para financiar um grandioso conjunto de programas e projetos que estão paralisados, desde que tenham licenças ambientais já aprovadas e estejam limpos em termos da legislação do TCU e do MPF.
Essas e outras portas de saída da crise econômica são soluções que misturam elementos da ortodoxia com práticas institucionais heterodoxas. Não há solução única numa economia capitalista, por causa de seu próprio dinamismo, para estabilizar uma economia instável.
Estamos envoltos num inexorável processo de decadência econômica, e o Governo nos lembra Alice: "ficou sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade".
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 27/05/2021
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