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SEIS IDEIAS À PROCURA DE UM ESTADISTA




Ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento (Governo Itamar), Paulo Haddad, Conselheiro do Fórum do Futuro foi buscar em Pirandello a inspiração para trazer essa nova e instigante série do nosso Site. Serão seis capítulos, publicados semanalmente.


Hoje trazemos o sexto capítulo:


VI. Um novo estilo de governar: dos ajustes à Grande Transformação


1. Capitalismo e os Capitalismos: Em 1926, Keynes escreveu um artigo clássico “The End of Laissez-faire”, onde se mostrava cético em relação ao futuro das experiências da doutrina do “Socialismo de Estado”, mas se contrapunha, ao mesmo tempo, à doutrina do liberalismo da “mão invisível”, do século 18. Afirmava, já naquela época, que a principal tarefa dos economistas era distinguir o que o Estado deveria assumir como sua responsabilidade (o que denominou a Agenda do Governo) e o que deveria deixar com menor interferência possível (a Não Agenda) para o exercício dos indivíduos, em função de interesses autocentrados, uma vez que não é correto deduzir que o interesse próprio sempre opera em benefício do interesse público.


Criticava o utilitarismo individualista de Bentham, o qual pressupunha que a interferência governamental era, ao mesmo tempo, “geralmente desnecessária” e “geralmente perniciosa” e que se transformou no fundamento da doutrina originária do Estado mínimo de alguns partidos políticos em diversos países. Citava Edmund Burke: “Política é para construir formas de governo que sejam capazes de implementar a Agenda”. Desde então, muita água passou por debaixo da ponte (a depressão econômica de 1929, a II Guerra Mundial, a formação dos blocos de comércio internacional, a organização nas economias de mercado dos monopólios, oligopólios, cartéis e diferentes formas de concorrência imperfeita, etc.) e as opções ideológicas do liberalismo foram se modificando estruturalmente.


Keynes concluiu o seu artigo clamando que “necessitamos de um novo conjunto de convicções que nasçam naturalmente de um exame sincero de nossos sentimentos íntimos em relação aos fatos externos”.


Toda sociedade enfrenta problemas fundamentais provocados pela escassez relativa de fatores de produção. Precisa decidir o que produzir, como produzir, para quem produzir e onde produzir, uma vez que os fatores de produção são escassos e têm usos alternativos. Essas decisões podem se realizar por mecanismos institucionais de comando e controle, como em algumas experiências socialistas no século 20. Ou através dos mecanismos de mercado, onde as decisões econômicas, em sua maioria, são tomadas por indivíduos e não por instituições ou organizações coletivas (burocracias governamentais, partidos políticos etc.). Reserva-se para essa ideologia, que é contrária à intervenção profunda do Estado na economia, a denominação de liberalismo econômico.


A partir de 1º de janeiro de 2019, iniciou-se em nosso País a nova administração pública do Governo Federal que se declara filiada ideologicamente ao liberalismo econômico. Mas, como as principais teses do liberalismo econômico tiveram sua origem no século 16, quando então nasciam as primeiras experiências do capitalismo na Europa, e vieram a se estruturar, principalmente, no século 18, a partir da obra clássica de Adam Smith, é fundamental analisar como diferentes opções ideológicas foram se configurando dentro do próprio liberalismo econômico ao longo dos séculos seguintes.


Pouco a pouco, a intervenção do Estado foi avançando, com maior ou menor intensidade, diante dos desafios de três questões estruturais, à medida que as sociedades se tornaram mais complexas.


A primeira questão se refere aos mecanismos e aos instrumentos de redução das desigualdades sociais e espaciais na distribuição da renda e da riqueza nacional, assim como na redução da pobreza e da miséria na sociedade. Alguns regimes econômicos se preocupam apenas em lidar com os problemas sociais dos idosos, dos incapazes e dos deficientes físicos, deixando que os estímulos e a dinâmica dos mercados promovam autonomamente uma distribuição mais equânime da renda e da riqueza nacional no longo prazo. Outros formulam e executam poderosas e abrangentes políticas sociais compensatórias que acabam absorvendo parcelas expressivas dos recursos fiscais e financeiros dos governos.


A segunda questão estrutural está relacionada às falhas de mercado, como a formação de monopólios, a exploração predatória dos ecossistemas, os elevados custos sociais e ambientais das atividades empresariais, a insaciável especulação financeira, etc. Há regimes que são mais tolerantes e complacentes com essas falhas no funcionamento dos mercados; outros impõem estruturas regulatórias para o exercício do comando e controle da economia, visando a preservar a qualidade dos bens e serviços, a conservar o meio ambiente, a garantir a defesa do consumidor, etc.


A terceira questão se refere a quais responsabilidades os governos devem assumir sobre a instabilidade dos ciclos econômicos e seus impactos perversos sobre os níveis de desemprego ou da inflação. Por exemplo, nos Estados Unidos, o Federal Reserve (o Banco Central norte-americano) conduz a política monetária com um olho na inflação e outro na manutenção do pleno emprego na economia. Por outro lado, alguns países concentram os seus instrumentos de política econômica apenas na perseguição das metas inflacionárias, utilizando preferencialmente poucas regras discricionárias para evitar intervenções mais frequentes e erráticas nos mercados.


Essa lista mínima de questões estruturais, que levaram as economias de mercado a se diferenciarem ao longo do tempo, coloca para o cidadão brasileiro um clima de perplexidade sobre as decisões pragmáticas, casuísticas e muitas vezes contraditórias das políticas públicas que estão ocorrendo na atual gestão da economia nacional. O que pode levá-lo a perguntar: liberalismo econômico, afinal de que se trata?


Desde que as experiências das economias socialistas entraram em processo de decadência, tendo como referência a queda do Muro de Berlim, os analistas passaram a se concentrar na avaliação dos diferentes estilos do capitalismo. O capitalismo tem alguns princípios que caracterizam o sistema: a produção é organizada visando ao lucro, utilizando mão de obra assalariada legalmente livre, sendo a propriedade do capital predominantemente privada com coordenação descentralizada.


Embora sua característica fundamental seja comum a todas as suas configurações diferenciadas entre países e regiões, há experiências e estilos do capitalismo que variam quanto ao que é público e ao que é privado, ao grau de intervenção do Estado na economia, à qualidade dos empreendedores em sua maior ou menor propensão ao rentismo financeiro ou ao progresso tecnológico etc., o que Keynes denominaria do nível e da intensidade de socialização em uma economia de mercado.


Branko Milanovic, economista sérvio-americano que chefiou o departamento de pesquisas econômicas do Banco Mundial, argumenta que há duas mudanças no período em que o Mundo vive atualmente: o estabelecimento do capitalismo não apenas como sistema dominante, mas como único sistema econômico no Mundo; e o reequilíbrio de poder econômico entre a Europa e a América do Norte, de um lado, e a Ásia, do outro. Menciona que há exceções (Cuba, Vietnam do Norte etc.) em áreas muito marginais, sem nenhuma influência global. Vivemos em um Mundo no qual todos seguem as mesmas regras e compreendem a mesma linguagem da realização do lucro: o capitalismo sem rivais.


Para Milanovic, a dominância do capitalismo em escala mundial foi atingida por dois tipos diferentes de capitalismo. O capitalismo liberal meritocrático, que se desenvolveu no Ocidente nos últimos duzentos anos e que se refere a como os bens e serviços são produzidos e trocados (“capitalismo”), como são distribuídos entre indivíduos (“meritocrático”), e quanto há de mobilidade social (“liberal”). O capitalismo de Estado ou autoritário, que denomina de capitalismo político (tendo o modelo chinês como arquétipo), emergiu, em muitos casos, como um produto das revoluções comunistas, com governos de partido único; propriedade estatal de ativos; planejamento central; repressão política.


No caso brasileiro, há algumas características marcantes do capitalismo. A predominância, desde a crise de 1929 até os anos 1990, do que Peter Evans, sociólogo da Universidade de Berkeley, denominou “a tríplice aliança”: a convivência, no mesmo contexto histórico, das empresas privadas nacionais, das empresas multinacionais e das empresas estatais. Muitas fragilidades e incapacidades sistêmicas são notórias em nosso estilo de capitalismo quanto à competitividade sistêmica de nossas empresas, à distribuição de renda e da riqueza nacional e à conservação, preservação e reabilitação dos nossos ecossistemas.


2. Política econômica e planejamento de longo prazo: A Macroeconomia é o estudo da economia de um país ou de uma região em seu conjunto. Particularmente, esse segmento analítico da Ciência Econômica nasceu ao longo da crise econômica de 1929 e é, atualmente, o campo de análise e de política econômica dominante entre os novos economistas. A partir dos efeitos dramáticos da depressão nos anos 1930, procurou-se conhecer melhor a estabilidade dos preços e da inflação, a evolução trimestral do emprego e da renda, os problemas conjunturais do crescimento e da recessão de uma sociedade.


Com o triunfo da Macroeconomia, os seus indicadores tornaram-se conhecidos no cotidiano da população e são apresentados frequentemente pelos meios de comunicação social: a taxa de desemprego, a taxa de inflação e a taxa de câmbio. Esses são os três macropreços que medem, no curto prazo, a saúde atualizada da economia em seu conjunto. E o curto prazo, do que se trata?


O papel do tempo na análise dos problemas econômicos sempre foi uma questão controversa. Em 1923, Keynes, o principal economista do século 20, procurava estabelecer uma noção clara do que seria o curto prazo. Para ele, no curto prazo, há um passado que já transcorreu e trouxe, para o presente, a acumulação de um estoque de capital físico (fábricas, áreas agricultáveis, infraestrutura econômica e social), um dado perfil de distribuição de renda e de riqueza, uma força de trabalho com diferentes qualificações, os fundamentos das instituições políticas e sociais, um certo grau de degradação dos ecossistemas, etc.


Assim, no curto prazo, as dificuldades que são encontradas em uma sociedade têm de ser equacionadas num contexto histórico, que é dado por decisões tomadas no passado e prevalecentes no presente.


Políticas macroeconômicas de curto prazo, que lidam com problemas conjunturais, devem ser operadas dentro das restrições impostas por um tempo histórico e irreversível. É indispensável tomar essas restrições e condicionalidades como ponto de partida. Se, nos momentos tumultuados do presente, quisermos resolver graves questões econômicas com orientações estratégicas que somente são eficazes no longo prazo, como afirma Keynes, as políticas econômicas podem fracassar.


Assim, os problemas da inflação e do desemprego no início de 2022 não são questões que possam aguardar as reformas político-institucionais, que somente trarão resultados no médio e no longo prazo, dado o seu poder destrutivo das condições de vida dos grupos sociais de baixa e média renda. Para Keynes, isso equivale a apontar caminhos de tranquilidade que estão além de mares revoltos, sem demonstrar como é possível atravessar o quadro das dificuldades presentes preservando as conquistas realizadas.


Entretanto, para a formulação e a implementação das políticas econômicas não podemos confundir condicionalidades com objetivos. Qualquer que seja a política econômica adotada pelo Governo Federal, na atual crise financeira do Brasil, o ajuste fiscal com reformas político-institucionais é uma restrição ou condicionalidade a ser imperativamente superada. Contudo, os objetivos efetivos dessa política devem estar relacionados com a retomada do crescimento econômico, com a melhoria na distribuição da renda e da riqueza entre famílias e regiões; com a erradicação da pobreza e da miséria social; com a conservação, a preservação e a reabilitação dos nossos ecossistemas; com o desenvolvimento científico e tecnológico, etc.


Condicionalidades e objetivos não se confundem; uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. É indispensável resgatar os processos de planejamento de médio e de longo prazo, a partir das consultas à opinião pública sobre a sociedade que queremos para as atuais e futuras gerações de brasileiros.


De início, é preciso destacar que a história do sistema político brasileiro, quando confrontado com profundas crises econômicas e sociais, vinha sendo a de estruturar as aspirações e as expectativas da sociedade inconformada em um processo de planejamento de médio e de longo prazo como núcleo central do estilo de governar.


A partir do final da II Grande Guerra, iniciou-se no Brasil uma tradição de todos os Presidentes da República elaborarem e executarem um processo de planejamento durante o seu mandato. O primeiro foi o Plano SALTE, elaborado na administração do Presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), que tinha como objetivo estimular o desenvolvimento dos setores de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. Um plano elaborado com a cooperação técnica norte-americana (Missão Abbink).


O Plano de Metas do Presidente Juscelino Kubistchek (1956–1960) conseguiu transformar a economia brasileira de um modelo primário-exportador na mais industrializada e moderna entre os países do Terceiro Mundo, no início dos anos 1960. E, com a construção de Brasília, avançamos a interiorização do desenvolvimento. O Programa de Ação Econômica de 1964 (PAEG), sob a coordenação do Ministro do Planejamento Roberto Campos e do Ministro da Fazenda Gouveia de Bulhões, integrou uma política de estabilização monetária com um Plano Decenal de Desenvolvimento, criando as pré-condições para o ciclo de expansão dos anos 1970, sob a coordenação do Ministro Delfim Netto. O II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND (1975–1979), arquitetado por João Paulo dos Reis Veloso, Mário Henrique Simonsen e Severo Gomes, visava a enfrentar os problemas de inflação e de crescimento advindos do petróleo e da crise internacional. Foi formulado e implementado no Governo Geisel, tendo promovido uma profunda transformação na matriz energética do País e, também, uma revolução da agropecuária, que tornou o País um celeiro mundial de proteína animal e vegetal. A partir dos anos 1990, destaca-se o Plano Real do Governo Itamar Franco, sob a liderança do Ministro Fernando Henrique Cardoso.


Por que esses planos tiveram resultados que trouxeram grandes benefícios para a sociedade brasileira? Porque não se prenderam a nenhuma ortodoxia ideológica. Articularam, de forma inteligente, as políticas de estabilização com as políticas de desenvolvimento. Utilizaram com eficiência e eficácia os quadros de servidores públicos e as instituições da administração direta e indireta devidamente dinamizadas, os quais se destacam como os melhores da América Latina.


Os impactos sociais e econômicos da pandemia do novo coronavírus levaram de roldão o atual programa de equilíbrio fiscal expansionista do Governo Federal e colocaram os processos de decisão dos agentes e das instituições que produzem, que consomem e que investem em um profundo campo de incertezas. Hyman Minsky, que melhor analisou como se reverteram as crises do capitalismo financeiro desde 1929, faz um alerta. À medida que instituições, relações e contextos históricos se transformam, devem-se promover, da mesma forma, mudanças na política econômica que comprometam a sociedade, coerentemente, com a construção solidária de seu futuro. É indispensável que se reformule a política econômica a ser implementada no novo mandato Presidencial no Brasil, a partir de janeiro de 2023.


Recomendamos que se elaborem três planos integrados, interdependentes e modulados, com uma clara definição da Rede de Precedência, ou seja, com o sequenciamento, a cadência e a intensidade das ações programáticas, dentro do estilo de planejamento participativo e consensualizadas com os três níveis de governo. Devem ser elaborados o Plano de Ação Imediata, o Plano de Médio Prazo e o Plano de Longo Prazo, articulados por três macro-objetivos da sociedade brasileira: a estruturação de um novo ciclo de expansão econômica, a melhoria da distribuição da renda e da riqueza com a erradicação da miséria social, e a preservação, a conservação e a reabilitação dos ecossistemas do País. O Plano de Ação Imediata deve arquitetar a retomada do emprego e da renda a partir do primeiro semestre do ano que vem. Se nada for feito e se o governo acreditar que a mão invisível do mercado trará o crescimento de volta, poderemos viver um longo período de letargia econômica, no qual a política econômica ficará limitada à recorrente institucionalização das transferências de rendas e de subsídios para a precária sobrevivência de famílias e de empresas.


O Plano de Ação Imediata deve observar as características de um modelo de crescimento denominado de big push, com um conjunto múltiplo de investimentos em obras públicas, iniciadas simultaneamente, visando a reverter as expectativas e minimizar as incertezas dos empreendedores privados. Os projetos de investimentos mais prováveis para impulsionar a economia são aqueles que estão, atualmente, quase paralisados, mas com as suas licitações e licenças ambientais aprovadas e limpos do ponto de vista do TCU e do MPF. O Plano de Médio Prazo, que tem como núcleo pivotal o conjunto de reformas microeconômicas e político-institucionais já programadas e em negociação, deverá definir um modelo de desenvolvimento para o País que dê vida administrativa e resiliência operacional aos macro-objetivos do Plano de Longo Prazo, o qual deve se estruturar para superar as crises social e ambiental, segundo Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU.


Ora, é missão de todo processo de planejamento prospectar o futuro da economia e gerar cenários alternativos de curto, médio e longo prazo, com menores custos de oportunidade para a sociedade. A economia brasileira está no fio da navalha para entrar em um processo de profunda e prolongada estagnação estrutural. Um sistema de planejamento mais exato, mais flexível e mais rápido é capaz de reverter esse processo de declínio da Nação. Como já foi dito, o melhor cenário para a futuro da economia é aquele que formos capazes de construir.

3. Estilo de governar: A experiência brasileira, desde 2014, quando a economia entrou em crise de crescimento, mostra que os governantes iniciaram os respectivos mandatos com o compromisso de implementar um conjunto de reformas de base visando a modernizar o nosso sistema político-institucional para a retomada do processo de desenvolvimento do País. Como esse processo de transformação é lento e politicamente desgastante, os governantes se impacientam, desaceleram o esforço reformista e assumem o estilo populista de governar, passando a ser guiados por uma perspectiva de ações de curto em curto prazo.


Esse estilo tem características fundamentais, segundo a análise histórica de Barry Eichengreen, da Universidade de Stanford, na Califórnia. O populismo está florescendo em um contexto de nossa história de fraco desempenho da economia (a segunda década perdida de desenvolvimento), de desigualdades sociais e regionais profundas (estamos entre os cinco países do Mundo com maior concentração de renda e de riqueza, e sem políticas de desenvolvimento para as áreas economicamente deprimidas), de mobilidade social declinante (com cerca de 30 milhões de brasileiros desempregados, subempregados e desalentados) e precário campo de oportunidades para as novas gerações (a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos ficou em 29,8% ao fim de 2020).


As políticas econômicas de líderes populistas autoritários são danosas e destrutivas, e os seus impactos sobre as instituições são corrosivos. A melhor ilustração, no atual contexto brasileiro, é a desconstrução das instituições que formulam e implementam as políticas públicas ambientais, resultando em perdas irreparáveis de nossos ativos e serviços ambientais em todos os Biomas, particularmente na Amazônia.


Outra característica do estilo populista de governar: o populismo arregimenta a população contra a informação e o conhecimento científicos. Não há evidência maior, atualmente, do que o comportamento das autoridades do Governo Federal face às estratégias de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus: desautorização das recomendações dos cientistas brasileiros de padrão técnico internacional e a crença tipicamente medieval em propriedades imaginárias dos benefícios no tratamento precoce.


Como dizia o pensador austríaco Carl Menger, um dos mentores do liberalismo da Escola de Economia de Chicago, ainda em 1870: “Quanto mais elevada for a cultura de um povo, e quanto mais profundamente os homens investigarem a sua própria natureza, tanto menor será o número de bens imaginários”.


Eichengreen ainda destaca duas características do estilo populista de governar que podem ser observadas nas práticas cotidianas do atual mandato presidencial. O populismo é divisivo e provoca, recorrentemente, desacordos e tensões entre interesses conflitantes na sociedade. E as atitudes, que esses líderes estimulam, têm a capacidade de promover o que há de pior entre os seus seguidores.


Assim, os governantes acabam se jogando nos braços dos grupos politicamente conservadores do Congresso Nacional, que passam a prevalecer sobre o núcleo central das ideias e ideologias que fundamentam a coerência, a consistência e a resiliência dos programas prioritários do governo. Como diz o provérbio italiano, entre o dizer e o fazer, no meio tem o mar. (il dire e il fare c`é di mezzo il mare).


O estilo de condução das políticas públicas para resolver os nossos problemas socioeconômicos e socioambientais tem sido o que se denomina de ajustes incrementais. Segundo esse estilo de governar, mesmo sem uma visão do futuro, sempre que os formuladores das políticas públicas encontram um hiato entre uma realidade observada e uma situação ideal, adotam em seguida medidas de comando e controle ou de mecanismos de mercado para preencher esse hiato. Ao se fechar um hiato, contudo, sempre se abrem outros; ao se resolver um problema, criam-se outros, e então esses passam, num momento seguinte, a serem percebidos como problemas e são realizadas novas tentativas com o objetivo de fechar os hiatos entre as situações ideais e a realidade.


Esse estilo pragmático de governar, com foco no curto prazo, pode ramificar-se quase indefinidamente, e há muitas situações em que se torna razoavelmente bem-sucedido como padrão para resolver problemas e mobilizar os potenciais de desenvolvimento de um país ou de uma região. A situação muda totalmente de figura quando a exaustão de um ciclo de prosperidade ocorre e a economia perde sua dinâmica de crescimento. O crescimento econômico não é um subproduto cronológico de um ajuste qualquer. Em um contexto no qual prevalecem, simultaneamente, uma crise social e uma crise ambiental, surgem problemas de grande dimensão, complexidade e transversalidade, que podem não ser percebidos e muito menos resolvidos por nenhum protagonista ou instituição isoladamente, que se encontram, muitas vezes, autocentrados nos seus interesses específicos.


Emerge, pois, a necessidade de um novo e indispensável estilo de governar, baseado em um enfoque de perspectiva ou de visão de futuro, no qual as ações programáticas sejam de natureza reestruturante e não incrementais, vocacionadas para grandes mudanças e transformações econômicas e político–institucionais, e radicais no sentido de buscar as raízes dos problemas. Esse novo estilo aparece nas experiências históricas de desenvolvimento de muitos países, com a denominação de Grande Transformação.






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