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2025 - UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO PARA O AGRONEGÓCIO DO BRASIL


Paulo R. Haddad

 



“No curso das três últimas décadas, as principais fontes de distúrbios no crescimento foram os choques de demanda; ao contrário, choques de oferta negativos mais frequentes, mais graves, ao mesmo tempo mais importantes são susceptíveis de ocorrer à medida que nossas economias se adaptam ao novo ambiente... marcado pelo aumento das tensões geopolíticas e pela urgência da mudança climática”.

“É lamentável ter que reconhecer que, ao longo do tempo, o resultado de nossas políticas tem sido – ou será redistribuir riqueza e renda de forma injusta e desigual”.

 

Mário Draghi – Presidente do Banco Central Europeu de 2011 a 2019

 

 

 

 

 

 

Belo Horizonte

Janeiro/2025


A ECONOMIA MUNDIAL EM 2025


O agronegócio brasileiro tem sido responsável para evitar que, desde 2014, a economia brasileira vivencie um processo de estagnação econômica, quando se considera não apenas a participação do seu valor agregado no PIB (em torno de 5%), mas o conjunto dos seus efeitos diretos, indiretos (insumo-produto) e induzidos (consumo) chegando a ser responsável por quase 25% na geração do PIB. É responsável também, ao longo dos últimos anos, pela parcela maior da formação dos superávits na balança comercial, o que tem dado ao País maior segurança e menor vulnerabilidade para formular as suas políticas econômicas, ancorado em mais de 300 bilhões de dólares em reservas internacionais.


Assim, ao elaborar um cenário para a economia brasileira em 2025, com impactos nos anos seguintes, é imprescindível que se examinem as perspectivas de desenvolvimento do agronegócio em todas as nossas regiões. Não se trata de elaborar um exercício de projeção do futuro do agronegócio brasileiro, pois, como diz Peter Drucker “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”, através da concepção e da implementação de estratégias de desenvolvimento.


Formular uma estratégia de desenvolvimento significa conceber e executar um conjunto de decisões que têm por objetivo inserir as organizações produtivas em uma economia nacional cada vez mais aberta e globalizada, e, ao mesmo tempo, minimizar as reações contrárias às mudanças necessárias. Para que possa ser exequível, uma estratégia tem que levar em conta as restrições que se impõem à sua implementação. Entre essas restrições, destacam-se as restrições de recursos (financeiros, econômicos e institucionais), as restrições das estruturas mentais (cultura empresarial tradicional, por exemplo), as restrições de natureza macroeconômica (sistema tributário, política cambial, etc.). Da mesma forma, uma estratégia de desenvolvimento para ser realista precisa dispor de uma leitura adequada do ambiente nacional e internacional no qual se inserem as organizações produtivas, os seus riscos e as suas oportunidades.


Somente a incorporação das restrições e do contexto histórico será capaz de definir “os limites do possível” para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento. As restrições se apresentam como condicionalidades à efetivação das estratégias de desenvolvimento, mas nem sempre em caráter definitivo, pois dependem de negociações políticas e das transformações impostas pelo próprio processo de desenvolvimento do País e do ambiente da economia mundial.

O IMPÉRIO DO PROTECIONISMO


O Centre d'Etudes Prospectives et d'Informations Internationales (CEPII) é o principal centro francês de pesquisa e de expertise em economia internacional. Publicou o estudo sobre “L’économie mondiale 2025”, o qual vem realizando a cada ano. O relatório publicado em setembro de 2024 aumenta todas as informações e análises realizadas nos últimos anos pelo Centro sobre a evolução da economia mundial, incluindo os temas mais inquietantes e controversos da Humanidade, tais como o desafio que vem se impondo, em diversos países, sobre o futuro do trabalho assalariado a partir da expansão da Inteligência Artificial (IA) e da transição ecológica.


Dada a amplitude dos temas abordados, iremos nos concentrar nas conclusões do Estudo do CEPII que interessam à formulação de uma estratégia de desenvolvimento para o agronegócio do Brasil. De forma extremamente sintética, a questão que se coloca para o sistema produtivo brasileiro dos produtores de café em Rondônia até os novos “Vales do Lítio” no Jequitinhonha e no Mucuri: “estamos presentemente passando para um mundo de choques de demanda para um mundo de choques de ofertas no qual as políticas econômicas deveriam ser repensadas?”

A economia mundial irá, a partir de 2025, passar por grandes transformações, particularmente a partir da implementação das políticas econômicas do Governo Trump, de cunho nacionalista e protecionista. A onda protecionista, que vinha crescendo nas economias avançadas desde o fim da pandemia da COVID-19, tenderá a se acentuar dificultando, em particular, a política de crescimento econômico da China baseada nas exportações.


Essa onda protecionista apresenta dois grandes problemas:

1.    quando o principal player do comércio mundial desencadeia um processo de protecionismo, a onda se propaga por muitos outros países, sob a forma de retaliação ou de igual proteção das indústrias nacionais.;

2.    embora o protecionismo norte-americano tenda a ser mais agressivo na gestão Trump, essa onda protecionista como macro tendência vem de muitas administrações anteriores, como na gestão do Presidente Biden (por exemplo: em agosto de 2023, os Estados Unidos assinaram um decreto para filtrar investimentos americanos na China em três setores muito sensíveis: os semicondutores, a informática quântica e a IA, a fim de evitar que investimentos americanos aumentem a dependência do país em relação à China).


Tomando como referência a publicação do L’économie Mondiale 2025, pode se constatar que, em 2025, há grande probabilidade que os seguintes eventos portadores de mudanças possam ocorrer:


  • Apesar da Guerra da Ucrânia, das condições financeiras mais difíceis, da escalada das tensões geopolíticas e da diminuição do ritmo de crescimento da China, a economia mundial continua resistindo sem sofrer um novo ciclo recessivo;


  •  Após o fechamento da página da COVID-19, pelo menos do ponto de vista econômico, como é o caso da inflação devido, em grande parte, à reversão dos choques de oferta que elevaram os preços dos preços da energia e dos alimentos, a economia mundial deverá se confrontar com novos choques de oferta que tendem a se multiplicar com a crise ecológica e as tensões geopolíticas; como consequência, as políticas econômicas deverão se adaptar à configuração desses choques; ao mesmo tempo, as margens de manobras orçamentárias tendem a se tornar cada vez mais restritas, limitando a capacidade de novos investimentos; em termos práticos: a Humanidade irá vivenciar um longo período em que ocorrerão não mais insuficiências de demanda agregada mas choques de ofertas;


  • 2025 é decididamente o tempo da oferta para a economia mundial, não mais o da insuficiência da demanda agregada como ocorreu nas décadas passadas; poderão se configurar, pois, mudanças no jogo das políticas de oferta de cada nação; essas mudanças funcionam nos países avançados no sentido de promover e atrair as indústrias estratégicas; como resultado, as estratégias de crescimento chinesas, orientadas para as exportações, tendem a não receber a mesma acolhida nos mercados externos como no passado; o protecionismo se afirmar e as tensões com a China se multiplicarem;


  • A estratégia da China para a sua dimensão interior, além de atender o objetivo central do Comitê Central do Partido Comunista, que é o de melhorar as condições de vida da população (mais demanda de consumo das famílias e de serviços públicos), é a de garantir o autossuficiência tecnológica e dominar as indústrias do amanhã, através de intensos esforços de Pesquisa e Desenvolvimento, tendo como vulnerabilidades:

    • o envelhecimento da população;

    • os impactos das mudanças climáticas;

    • as fragilidades do sistema financeiro;

    • a dependência da entrada de novos concorrentes nos setores tecnológicos mais avançados.


  • A estratégia chinesa para a sua dimensão externa é a de se reposicionar no cenário internacional, quando encontrará grandes dificuldades, particularmente após a eleição de Trump, caso ele concretize tudo o que prometeu durante o processo eleitoral, o que há grande probabilidade que venha a ocorrer; a China se propõe, como estratégia, a adesão do Sul Global às Novas Rotas da Seda, mesmo considerando as fraturas que poderão ocorrer no interior dos BRICS;


  • do lado da Europa os desafios se acumulam; o Relatório do CEPII destaca o caso da Alemanha, a principal economia da Europa; o modelo alemão se fundamenta na sua capacidade exportadora com a competitividade sistêmica embalada por uma política salarial moderada e politicamente negociada, com sua posição dominante em alguns setores dinâmicos do comércio mundial; os problemas advindos dessa estratégia são:

    • a perda de partes do mercado global;

    • o recuo marcante dos investimentos em construções;


  • a principal questão a ser enfrentada é a sua dependência energética do exterior revelada pela Guerra da Ucrânia e, também no plano comercial, pelo confronto principalmente com a China na transição ecológica, uma vez que as duas economias são as maiores produtoras de bens de consumo duráveis e de bens de capital relacionados com as mudanças climáticas; a Alemanha vai depender muito da evolução econômica da Zona do Euro e de suas restrições de equilíbrio orçamentário (austeridade fiscal);


  • a dependência de matérias-primas é um outro jogo de dimensões expressivas para a Europa, que, diferentemente da China, não adotou uma estratégia de investir maciçamente em diversos países para assegurar a sua provisão e aumentar a dependência dos outros países em relação a ela; a estratégia europeia passa pela reabertura de minas para reciclagem das matérias-primas e pela diversificação das fontes de abastecimento;


  • ü  a economia mundial é apresentada no Relatório do CEPII enfrentando muitos outros desafios:

a) a dificuldade de manter funcionando adequadamente, dentro do seu escopo, as instituições que mantêm o sistema de comércio multilateral;

b) muitos países, destacadamente a China e os EE.UU., têm aumentado as tarifas alfandegárias, as subvenções e as decisões protecionistas ad hoc desconhecendo os acordos nas políticas econômicas de países com estruturas produtivas predominantemente orientadas para exportações;

c) a questão da inteligência artificial (IA) e a transição ecológica serão determinantes na criação de valor econômico, na natureza dos empregos disponíveis e na repartição dos frutos dessa criação de valor;

d) quanto à transição ecológica, é a criação de valor que se coloca em questão: o resultado do nível de emprego dependerá muito da capacidade para conciliar a descarbonização e o aumento dos investimentos, de tal forma a reforçar os tecidos produtivos descarbonizados, ao mesmo tempo permitindo a criação de valor necessária para a justa remuneração do trabalho;

e) o Relatório avança no campo das projeções econômicas (principalmente nas questões que têm sido enfrentadas pelos Bancos Centrais na condução das políticas monetárias) e na apresentação de indicadores econômicos, demográficos e ambientais pelas grandes zonas e os principais países (o Brasil inclusive) da economia Mundial.


Embora todas essas mudanças previstas pelo CPEII sejam relevantes para a formulação da estratégia de desenvolvimento do agronegócio no Brasil, é necessário considerar, principalmente, dois eventos portadores de mudanças que trarão novas restrições e novas oportunidades, para os empresários do setor, independentemente de sua escala produtiva:


a. um mundo do choques de oferta;

b. a expansão da Nova Rota da Seda, em função dos 37 acordos que o Brasil assinou, em Brasília, com o Presidente da China, por ocasião de sua vinda ao país para o encontro do G20, envolvendo a cooperação em torno de 15 temas, tais como o agronegócio, intercâmbio educacional, cooperação de comércio, incluindo não apenas as commodities, etc.


 

 MERCADO INTERNO VERSUS MERCADO EXTERNO


Porque concentrar a atenção das atividades do agronegócio brasileiro na evolução da economia mundial, se o nosso mercado interno apresenta um tamanho muito expressivo pois, atualmente, o Brasil está na 9ª posição no ranking das maiores economias do Mundo, com PIB de US$ 1,2 trilhão, ficando na frente de grandes países como Canadá, Rússia e México? A questão é que a nossa análise tem como escopo a perspectiva do agronegócio no médio e no longo prazo a partir de 2025, e não apenas sua dinâmica na atual conjuntura macroeconômica.


O mercado interno depende de três fatores fundamentais: o tamanho da população, a produtividade total dos fatores da produção e a distribuição da renda e da riqueza. Quanto maior a população conjugada com a melhoria da produtividade e da distribuição da renda e da riqueza, maior o tamanho do mercado interno. O problema é o seguinte: o Brasil tem experimentado uma desaceleração no crescimento populacional devido à redução das taxas de fecundidade e aumento da expectativa de vida; segundo a FGV, nos últimos quarenta anos a taxa média de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro foi apenas de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do Mundo; e o Brasil tem um dos maiores indicadores de concentração de renda e de riqueza do Mundo. Assim não há como o mercado interno brasileiro apresentar um crescimento pouco expressivo.


Nos últimos anos, a lenta expansão do mercado interno tem sido conduzida pelas transferências fiscais de renda das políticas sociais compensatórias do Governo Federal (Bolsa Família, Lei Orgânica de Assistência Social, Previdência Social) para grupos da população com elevada propensão marginal a consumir e pelo endividamento das famílias. Ora, a crise fiscal do Governo Federal restringe enormemente os valores do poder aquisitivo das rendas transferidas e a insegurança financeira das famílias brasileiras (o endividamento das famílias brasileiras é atualmente de quase 80%) limita endividamentos adicionais.


Com a crescente onda de protecionismo nas economias avançadas (ver as enormes dificuldades que o Mercosul enfrentará para expandir as exportações para os países da União Europeia e para os Estados Unidos pós eleição de Trump), os novos Acordos Brasil-China constituem a grande oportunidade do comércio internacional em maior e imensa escala para as empresas brasileiras.


Os Acordos China-Brasil abrem um campo de oportunidades de desenvolvimento do comércio exterior com os países do Sudeste Asiático (China, Japão, Coreia do Sul, Vietnam, Índia, etc.) particularmente nas Novas Rotas da Seda. Entre essas oportunidades podemos identificar algumas que se relacionam diretamente com as atividades do agronegócio brasileiro, as quais se associam às declarações conjuntas em torno de princípios gerais sobre a nova ordem socioeconômica e socioambiental do Planeta, sobre a cooperação técnica, científica e interinstitucional, sobre muitos dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.


Para alguns alimentos, os Acordos são bem específicos, tais como a cooperação e abertura de quatro mercados: farinha de peixe, óleo de peixe e outras proteínas e gorduras derivadas de pescado para ração animal; sorgo; gergelim, uva fresca. Outros mercados deverão ser abertos à medida que avançar a cooperação técnica e comercial no setor agrícola, tal como previsto nos Acordos.


A meu ver, os maiores impactos deverão ocorrer quando houver maior integração do Brasil nas Novas Rotas da Seda, a partir dos investimentos em logística de transporte e de comunicação com saída pelo Pacífico, desde o Acre até o Porto de Chankay, no Peru, quando deverá se ampliar e consolidar a posição da China como principal parceiro comercial do Brasil (além de uma das mais importantes fontes de investimento externo no País), o que vem ocorrendo desde 2009. Há expectativa de que os Acordos entre Brasil e China para a agropecuária podem elevar a posição do País no ranking de exportação mundial.


É bom lembrar, às vésperas da nova era Trump, que o empresariado brasileiro não deixou que os seus negócios internacionais fossem contaminados pela polarização política que avança em escala mundial nos últimos anos.


A sua postura pragmática está sintonizada com o pensamento de Milton Friedman, que juntamente com Adam Smith (1776) é considerado um dos pais do liberalismo econômico: “Ninguém que compra pão sabe se o trigo usado foi cultivado por um comunista ou republicano, por um constitucionalista ou um fascista ou, ainda, por um negro ou por um branco. Tal fato ilustra como um mercado impessoal separa as atividades econômicas dos pontos de vista políticos e protege os homens contra a discriminação em relação a suas atividades econômicas por motivo irrelevantes para a sua produtividade - quer estes motivos estejam associados às suas opiniões ou à cor da pele”. (Capitalismo e Liberdade, Abril Cultural, 1983, pág. 28).


Um novo ciclo de expansão do agronegócio brasileiro terá que delimitar os seus mercados futuros. Há dificuldades com as perspectivas do mercado interno brasileiro, que cresce lentamente: a produtividade total dos fatores de produção tem sido muito baixa, a distribuição da riqueza e da renda nacional está muito concentrada, houve uma desaceleração no crescimento demográfico do País e as políticas sociais compensatórias se curvam diante da crise fiscal nos três níveis de governo. Por outro lado, o mercado mundial está crescentemente protegido através de diferentes formas e motivos, o que deverá se intensificar a partir da posse de Trump para um novo mandato presidencial. Sem saída? Não. Porque a China realizou com o Brasil 37 Acordos no ano passado, os quais deverão ampliar a abertura para o comércio de bens e serviços, principalmente para o agronegócio brasileiro.


Assim, a onda protecionista anti-China nos EE.UU e na União Europeia pode se transformar em um campo de oportunidades para o comércio exterior do Brasil, desde que o país formule e implemente estratégias de desenvolvimento apropriadas.


 

UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO


Se ocorrer, efetivamente, uma expansão das exportações brasileiras para o Sudeste Asiático, com acessibilidade do Brasil ao Porto de Chankay, no Peru, fica a pergunta: haverá excedentes produtivos na agropecuária das regiões brasileiras para atender à demanda adicional vinda das Novas Rotas da Seda (a mesma pergunta foi feita quando do processo de privatização do IBC nos anos 1980: e se cada cidadão chinês adulto tomar uma xícara de café por dia?)


Desde 2014, a economia brasileira vem andando de lado. O crescimento do PIB per capita é praticamente nulo. Houve anos de taxas negativas de crescimento e outros de taxas positivas de crescimento na década em que a pandemia da Covid-19 provocou um declínio nos níveis do emprego e da renda dos brasileiros para, em seguida, induzir o renivelamento das atividades econômicas em 2021 e 2022. As taxas, quando apresentadas em gráfico, se assemelham à imagem de um eletrocardiograma, com altos e baixos na sua evolução e não devem dar a ilusão de que se iniciou um ciclo de expansão sustentado.


Mas, ao longo do século atual, o crescimento econômico do Brasil foi inexpressivo: enquanto, nas duas primeiras décadas, a China cresceu, no acumulado, cerca de 345%, o Brasil cresceu apenas 26%, ficando entre os países de médio baixo crescimento.


Um ciclo de expansão se caracteriza, em geral, por um período relativamente longo e contínuo (em torno de uma década) de crescimento sustentado, com elevadas e generalizadas taxas de expansão global e setorial superiores a 7% ao ano. É implementado por um conjunto de reformas econômicas e político-institucionais, que viabilizam a eliminação dos pontos de estrangulamento e de outros óbices à mobilização das potencialidades de desenvolvimento econômico e social. Em função das características do sistema político prevalecentes, das inovações tecnológicas em processo, do grau de integração internacional da economia e da consistência do equilíbrio macroeconômico, cada ciclo pode impactar diferentemente o perfil da distribuição pessoal e espacial da riqueza e da renda nacional, assim como os indicadores de sustentabilidade ambiental. É o que pôde ser observado nos dois ciclos de expansão da economia brasileira no pós-II Grande Guerra: o Plano de Metas de JK, nos anos de 1950, e o “milagre econômico” dos anos 1970, quando os níveis de renda e de emprego cresciam geometricamente e os campos de oportunidade para os jovens realizarem os seus projetos de vida eram cada vez maiores. Quando a economia cresce a 7% ao ano, o PIB dobra a cada 14 anos.


O capitalismo é um regime econômico que progride através dos ciclos de inovações. Em 1910, o pensador austríaco Joseph Schumpeter definiu cinco casos de inovações: introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem, introdução de um novo método de produção, abertura de um novo mercado, conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria. O tipo de mudança a que se refere Schumpeter é a que emerge endogenamente, de dentro do sistema, que desloca de tal modo o seu ponto de equilíbrio que o novo não pode ser alcançado a partir do antigo, mediante passos infinitesimais: É o que denominou de processo de destruição criativa; novas inovações tornam obsoletas inovações anteriores; o crescimento através da destruição criativa estabelece um estágio de permanente conflito entre o novo e o velho. Já o filósofo italiano Antonio Gramsci afirma que, quando o velho não morreu e o novo ainda não nasceu, coisas estranhas acontecem.


No Brasil, enquanto o Governo Federal não estrutura e implementa uma política visando a instrumentalizar incentivos efetivos à atualização tecnológica das indústrias brasileiras, o progresso tecnológico vai avançando no campo. A evolução das inovações industriais tem uma história econômica bem-sucedida no Brasil. Iniciou-se com o processo de substituição de importações desde a crise de 1929, aprofundou-se com o Plano de Metas do Presidente JK, se restaurou a partir dos anos de 1990, com o processo de globalização da economia brasileira. Atualmente, a indústria brasileira se encontra financeiramente fragilizada, após o pior quinquênio de estagnação econômica desde 1929, em um processo de aggiornamento interrompido sem perder, contudo, o seu dinamismo empreendedor.


Por outro lado, a partir dos anos 1970, o Brasil vivenciou, sob a liderança do Professor e Ministro Alysson Paolinelli, uma revolução na agropecuária a qual, a partir do conhecimento científico e tecnológico incubado nas universidades e nos centros de pesquisa públicas e privadas, desencadeou um processo progressivo e contínuo de inovações schumpeterianas no campo. Essa liderança do Ministro foi reconhecida internacionalmente, a ponto de seu nome ter sido lembrado como candidato ao Prêmio Nobel da Paz.


A “revolução dos cerrados” ocorreu a partir do Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP), quando Paolinelli era Secretário da Agricultura do Governo de Minas Gerais e se ampliou para todo o Centro-Oeste no Governo Geisel, quando o Ministro implementou o POLOCENTRO, a revolução verde dos cerrados para a Sul de Goiás, o Triângulo e o Noroeste Mineiro, o Oeste da Bahia, Balsas no Maranhão, Gurguéia no Piauí, Tocantins, Rondônia. O Acre fica como a nova fronteira da agropecuária brasileira.


O evento mais destacado dessa revolução verde foi a grande mudança dos cerrados brasileiros, de um recurso físico sem valor econômico em fator econômico de altíssima produtividade e competitivo globalmente, que tem sido capaz de mobilizar poderosas cadeias de valor e sustentar economicamente os níveis de renda e de emprego, assim como a balança comercial do País, até mesmo em anos de profunda recessão. E o Sistema EMBRAPA de pesquisas agropecuárias, que engloba inúmeras instituições públicas e privadas de pesquisas científicas, e mantém acesa a flama das inovações tecnológicas.


Com esse avanço da agropecuária, tende a ficar na poeira da história a agricultura tradicional, que desmata e queima predatoriamente o Meio Ambiente, que pratica relações sociais de produção pré-capitalistas, que não resiste aos testes fitossanitários dos sistemas da defesa agropecuária. Mas que ainda mantém uma representatividade politicamente desproporcional no Congresso Nacional e nos órgãos de classe.


A agricultura tradicional se contrapõe à moderna agropecuária do agronegócio e da agricultura familiar, que produz com menor intensidade de terra, que consome menos água por tonelagem de produção irrigada, que recicla os resíduos e dejetos das atividades produtivas, além de conservar, preservar e reabilitar os ativos ambientais como capital natural. Que tem, principalmente, a capacidade de produzir, sem desmatar, alimentos sustentáveis, saudáveis e resistentes às mudanças climáticas, através das estratégias empresariais da redução de custos, da diferenciação de produtos e da diversificação de atividades.


Ainda há muito a ser feito para qualificar e consolidar a revolução verde nas áreas tropicais brasileiras, eliminando muitas de suas mazelas socioeconômicas e socioambientais. Contudo, os mais expressivos progressos científicos e tecnológicos dos diferentes sistemas produtivos do País estão, atualmente, nas fronteiras da agropecuária nacional. Daí se asseverar que, no atual contexto de nossa história econômica, o capitalismo mora no campo. Pesquisadores afirmam que “se adotássemos apenas 50% das inovações científicas e tecnológicas disponíveis e já testadas, seria possível dobrar a produção agropecuária sem desmatar”. Como destacou Alysson Paolinelli, quando presidia o Instituto Fórum do Futuro:


“A partir da Segunda Revolução da Agropecuária Brasileira, o País passou a ser respeitado como um global player na oferta mundial de alimentos e está sintonizado com a atual fase da nova revolução industrial que, algumas vezes, tem sido denominada de capitalismo natural. Conseguimos dar o Segundo Salto para o futuro com a entrada do Brasil no sistema produtivo mundial. Agora, é imprescindível encarar de frente os reptos e as chances históricas que a visão de Estado exige, para nos levar ao Terceiro Salto. Isso em um momento em que o Mundo aumenta fortemente a demanda por energias renováveis e limpas, por mais alimentos e por agentes produtores e sistemas que ofereçam segurança.”


O Ministro continuou o seu trabalho em prol do programa científico, tecnológico da agropecuária brasileira ao fundar o Instituto Fórum do Futuro, que publicou recentemente uma série de ensaios em “As soluções sustentáveis que vêm dos trópicos” (IFF, Brasília, 2024), os quais servem de fundamentos para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento de um novo ciclo de expansão da agropecuária brasileira.


Como a demanda mundial de alimentos continua em pleno crescimento, particularmente no Sudeste Asiático (China, Vietnam, Coreia do Sul, Japão, etc.) onde ocorre uma expansão do mercado interno e programas de segurança alimentar e, ao mesmo tempo, como a implantação do III Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira favorece a expansão geométrica da produção de alimentos, resta analisar a logística de transporte e de comunicação para a acessibilidade aos mercados consumidores do Eixo de Desenvolvimento Regional da Amazônia Ocidental/Noroeste Brasileiro (MATOPIBA/RONDÔNIA/ACRE).


É historicamente realista formular uma estratégia para a elaboração e a implementação de um novo ciclo de expansão da agropecuária brasileira, baseada nos seguintes fatores:


1. do lado da demanda, a abertura dos mercados da China para produtos agropecuários do Brasil a partir dos 37 Acordos assinados entre os dois países em novembro de 2024;


2. do lado da oferta, o aumento da produtividade da agropecuária brasileira a partir do Terceiro Salto Científico e Tecnológico que favorece a produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas;


3. a disponibilidade de poderosas instituições públicas e privadas capazes de manter dinâmicas as inovações schumpeterianas reestruturantes ou incrementais da agropecuária brasileira;


4. a logística de acessibilidade ao mega porto de Chankay, no Peru, construído por capitais privados da China para o escoamento da produção agrícola e mineral da América Latina;


5. a disponibilidade de uma nova geração de empreendedores que vêm acumulando experiências inovadoras a partir da “revolução dos cerrados” em várias regiões do Brasil.

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