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FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

UMA PROPOSTA DE INSERÇÃO DA VISÃO CIENTÍFICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA




Evaldo Ferreira Vilela[a]

Márcia Azevedo Coelho[b]

Fernanda Aparecida Yamamoto[c]


A necessidade de construirmos sociedades mais justas e colaborativas nos tempos presente e futuros é consensual. Parece ser indiscutível também que a constituição de futuros diferentes implica necessariamente a formação de gerações que tenham em seus diferentes projetos a preservação da vida que implica necessariamente em modos de se pensar o desenvolvimento de forma sustentável.


O investimento em meios para o desenvolvimento sustentável, por sua vez, implica não só em recursos voltados à Ciência, Tecnologia e Inovação, mas também em mudanças atitudinais capazes de unir informação a modos de conceber um mundo mais equânime, no qual as pessoas se sintam respeitadas em seus direitos e responsáveis pelos deveres em relação a si e ao outro.


Ainda que os esforços das tecnologias informacionais sejam de fundamental importância para tomada de decisões, é necessário compreender que a percepção de contextos além de hábitos pessoais e coletivos constituem-se no e pelo caldo cultural, retroalimentado cotidianamente por interações de diferentes ordens. Nessa conjuntura, o papel dos formadores que atuam na educação básica é essencial, uma vez que um ensino de qualidade, contextualizado e emancipatório pode contribuir com a formação cidadã integral.


Educação para o desenvolvimento sustentável


A forma de se pensar uma sociedade e o incremento para que ela se torne sustentavelmente possível tem a ver com investimentos de diferentes setores, mas, fundamentalmente, na formação de pessoas para que venham a desejar um mundo mais igualitário capaz de promover vida em abundância para todos.


Nesse sentido, a educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) deve contribuir para o fomento dessa consciência, estabelecendo estreita relação entre conhecimento e valores. Se não temos e queremos ter uma sociedade inclusiva, há que se mudar paradigmas e, para tanto, investir em futuros; em processos formativos, conjuntamente com os informativos e tecnológicos, é tão necessário quanto urgente e para tanto, a educação formal de qualidade é se não a única forma de efetivar a mudança de paradigma das futuras e atuais gerações, certamente, a potencialmente mais eficaz.


Não obstante isso, a forma de promoção de conhecimento na educação básica brasileira tem apresentado dificuldades em responder às demandas da sociedade e aos anseios dos jovens e o que fazer já foi indicado por quase todos os documentos oficiais em que se declara o objetivo da educação do país, a começar por nossa Constituição Federal (art. 205) a qual prescreve como objetivo da educação a formação plena da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e para o trabalho, ou seja, o currículo e todas as unidades do conhecimento devem ser, na educação básica, meios para a maior finalidade que é a formação da pessoa. Assim, os conteúdos científicos de todas as áreas do conhecimento precisam, necessariamente, serem trabalhados por meio da educação baseada em valores, possibilitando que as novas gerações compreendam, desde a sua base formativa, a função do desenvolvimento científico de forma intrínseca à sua aplicabilidade social.


Movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)


Com o intuito de atender melhor a necessidade de se formar para a cidadania, na década de 1980, surge o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), questionando o desenvolvimento da ciência pela ciência e a responsabilidade dos cientistas nas pesquisas, assim como em suas aplicações. Pedagogicamente, o movimento CTS evidenciava a necessidade do letramento científico como objetivo da educação básica, não apenas para promover o domínio dos conceitos, mas também a reflexão e a análise sobre os valores que fundamentam cada investimento e decisão de desenvolvimento tecnológico os quais, necessariamente, são compostos por riscos e benefícios que devem ser conhecidos e compreendidos e muitas vezes avaliados pela sociedade civil.


A educação em CTS para uma sociedade equânime e sustentável pressupõe a formação baseada em valores tais como o de igualdade de oportunidades, respeito pelo meio ambiente, cuidado com a saúde e segurança de todos, sabendo que, como bem já explicitou Araújo (2007), “o sistema de valores de um sujeito se organiza de maneira bastante complexa e os valores jamais se projetam de modo isolado no objeto da relação” (p. 25)[1], por meio do enfoque em valores, constituído, não de forma teórica ou pontual, mas por uma série de atitudes, modos de agir, escolhas lexicais, reações a fatos dentre outras atividades no universo formativo da pessoa dentro e fora da escola.


Assim, conhecer a posição do professor frente a temas relacionados à ciência e tecnologia parece de suma importância, já que o docente é um formador de opinião por excelência e como tal “possui um papel relevante na formação de cidadãos críticos e na promoção da consciência e tomada de decisão em assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)” (ROCHA, 2012, p. 1)[2].


Outro ponto crucial no que concerne à CTS, especificamente no Brasil, é a urgência que temos na promoção do desenvolvimento sustentável de modo endógeno. Um país com o potencial agrícola que combina disponibilidade de água e terras cultiváveis não pode prescindir do investimento em tecnologia para preservação. Para tanto, é necessário formar as novas gerações, não só para desenvolver, conhecer e dominar, como produtores, os recursos para a produção sustentável, como conhecer, compreender e exigir produtos, como consumidores, oriundos de produções sustentáveis e socialmente contributivas. Essa formação que se dá de modo contínuo, durante toda a vida, é constituída por hábitos, costumes, aspectos relacionados à identidade cultural, crenças além da informação.


Promover o interesse pelo tema e a divulgação significativa das informações é responsabilidade de vários atores e tais como imprensa, escola, organizações educacionais informais etc. Sabemos que muito do que se produz em C&T não chega à população de modo eficaz por diferentes motivos, conforme a última pesquisa (2019) em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), há amplo reconhecimento dos jovens sobre a importância em se investir em C&T .Cerca de 70% consideraram que a ciência traz “muitos benefícios” para a humanidade e 82% concordaram com a afirmação de que “a ciência e a tecnologia estão tornando nossas vidas mais confortáveis”.[3]


Mas, apesar do interesse explicitado, a pesquisa demonstrou que os jovens têm pouco conhecimento sobre o tema, visto que apenas 12% souberam citar o nome de alguma instituição “que se dedique a fazer pesquisa científica no Brasil”, só 5% souberam dizer o nome de algum cientista brasileiro, pouco mais da metade (57%) disse acreditar que “a ciência e a tecnologia vão ajudar a eliminar a pobreza e a fome no mundo”; 54% consideraram que os cientistas “estão exagerando sobre os efeitos das mudanças climáticas”; e 40% concordaram com a afirmação de que, “se a ciência não existisse, meu dia a dia não mudaria muito”, ou seja, parecem não identificar a ciência em produtos que utilizam, desde medicamentos a smartfones.


Pelos resultados da pesquisa, percebe-se que o nível de desconhecimento vai de conceitos amplamente propostos pelos currículos escolares ao da utilidade da C&T para a própria vida e para a vida em sociedade. Por isso, levar a escola para fora dos seus muros - trazer os problemas do contexto para dentro do currículo de forma interdisciplinar e trabalhar os componentes curriculares a partir dos problemas do entorno e os conteúdos de maneira sistemática e sob a dimensão de valores parece ser tão urgente quanto necessário.


Projeto de Gestão Integrada


O Projeto de gestão integrada de CTS em uma escola dos municípios do Polo Demonstrativo no âmbito de um “novo modelo de desenvolvimento da Amazônia” aponta-se como a consolidação de práticas de ensino e aprendizagem inovadoras que contemplam a inserção da ciência como meio para o desenvolvimento sustentável a partir da formação de toda a comunidade escolar em um movimento de retroalimentação. As ações propostas preveem a interlocução entre Ciência e Sociedade, de modo que possam analisar, observar, vivenciar e refletir sobre práticas sustentáveis produtivas e eficazes graças ao nível de desenvolvimento científico e tecnológico já existente em nosso país, utilizando estudo de campo; aprendizagem baseada em problemas e metodologia de projetos. A ideia é que o formador educativo se perceba capaz e responsável pela formação intelectual e cultural dos estudantes e que esses, por sua vez, sintam-se protagonistas de um mundo que depende, em grande parte, de uma geração mais consciente, competente e responsável pelas formas produtivas da sociedade na qual se encontram inseridos. Como principais objetivos, divididos em três fases, a proposta visa:



Fase 1

● Fomentar a reflexão sobre o papel da escola na promoção de interlocução entre Ciência e Sociedade tendo como fundamento a educação baseada em valores.

● Engajar os agentes para a percepção do papel da Ciência como forma aplicada e essencial na sociedade.

● Investir na formação transdisciplinar exigida para inserir os novos desafios e complexidades na formação para a cidadania.

● Pensar e propor soluções para problemas locais a partir da metodologia e visão científica.

● Conhecer e refletir sobre práticas sustentáveis do agronegócio local por meio da pedagogia do diálogo.

● Envolver a comunidade local nas práticas promovidas pela instituição escolar na perspectiva da escuta ativa.



Fase 2

● Possibilitar que os estudantes reconheçam-se como agentes fundamentais do processo educativo e, a partir disso, identifiquem as necessidades específicas dos agentes locais.

● Fomentar recursos para a resolução de problemas identificados utilizando as unidades de conhecimento estipulados pela BNCC.

● Consolidar práticas de ensino e aprendizagem que visem a inserção da ciência como meio para o desenvolvimento sustentável e a interlocução entre Ciência e Sociedade, abordando como as transformações ocorrem no ambiente da Cultura, assim como a importância da Ciência na formação educacional e cultural fundamentada na educação baseada em valores.

● Produzir sentido para o papel da Ciência de forma aplicada, no que tange ao desafio da visão transdisciplinar exigida para inserir os novos desafios e complexidades na formação da cidadania.



Fase 3

● Estabelecer o diálogo entre universidade e escola de educação básica local, assim como entre professores universitários, professores das escolas de educação básica e licenciandos em projetos integrados.

● Produzir sentido para o papel da Ciência de forma aplicada com os atores envolvidos incluindo a comunidade escolar e local de modo transdisciplinar e que visem proposições de solução para novos desafios e complexidades na formação da cidadania.

● Possibilitar que os estudantes da educação básica, dos professores e da universidade (licenciandos) reconheçam as necessidades específicas a partir dos agentes locais e a partir do reconhecimento desenvolvam propostas integradas para solução.

● Promover formação continuada (professores) e inicial (licenciandos) a um só tempo, de forma colaborativa, integrada e na prática de metodologias de resolução de problemas, educação baseada em valores e pedagogia do diálogo.



Considerações Finais

Com o investimento da abordagem científica para a resolução de problemas locais espera-se que, a partir dessa formação, haja maior aproximação das crianças e dos jovens a temas relacionados à CTS. Sabe-se também que esse objetivo não se concretizará sem aefetiva formação da cultura científica, iniciada e desenvolvida, via de regra, pelo ensino formal, especificamente durante o período em que a criança e o/a jovem encontram-se na educação básica. Por isso, o investimento em projetos que levam em conta a formação das novas gerações devem andar atrelados a outros que visam aterrissar os conhecimentos já existentes em ações efetivas. Atuar no presente e construir o futuro são duas ações intrínsecas para os projetos do Fórum do Futuro na construção de um Brasil ainda mais produtivo e socialmente mais equânime e sustentável.




[a]Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. e-mail: presidencia@cnpq.br

[b] Instituto de Estudos Avançados, Universidade de São Paulo. e-mail: marcia1808@alumni.usp.br

[c]Instituto de Estudos Avançados, Universidade de São Paulo. e-mail: fernanda.yamamoto@usp.br [1] ARAÚJO; U.F. PUIG, J. M. Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2007. [2]ROCHA, J. N. (2012): A percepção da ciência pelos professores da educação básica: um perfil dos alunos do curso de pedagogia UAB/UFMG. Disponível em:<http://sistemas3.sead.ufscar.br/ojs/Trabalhos/272-1069-1-ED.pdf>. Acesso em: 12 de fev. de 2022. [3] MASSARANI, L. et al. O que os jovens brasileiros pensam da ciência e da tecnologia: pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT). Rio de Janeiro: Fiocruz/COC; INCT-CPCT, 2021.


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