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UMA NOVA POLÍTICA ECONÔMICA ANTES DA MEIA NOITE

Atualizado: há 24 horas










Paulo R. Haddad




“Percebe-se que a insistência na necessidade de ajustes e sofrimentos no curto prazo (isto é, austeridade) em benefício dos ganhos de crescimento no longo prazo, quando o curto prazo pode durar décadas e o longo prazo não ocorrer, atesta um refinado sadismo intelectual”


Robert Skildesky – Money and Government – A Challenge to Mainstream Economics, Penguin, 2018.


 

I. OS LIMITES DA MACROECONOMIA DE CURTO PRAZO


Quando se formula uma política econômica, o primeiro passo é saber quais são os problemas socioeconômicos e socioambientais que as autoridades políticas de um país desejam equacionar prioritariamente. Há problemas que são equacionados normalmente por políticas macroeconômicas de curto prazo, as chamadas políticas de estabilização monetária, e há problemas que são melhor equacionados por políticas de desenvolvimento de médio e de longo prazo.


Quando o ambiente macroeconômico apresenta fortes desequilíbrios nas contas públicas, no balanço de pagamentos e nos mercados financeiros, há necessidade de se estabelecerem ajustes nas políticas macroeconômicas (monetária, fiscal, cambial) para evitar que esses desequilíbrios impactem negativamente as taxas de inflação e as expectativas de quem produz, de quem consome, de quem investe.


Por outro lado, quando uma sociedade se confronta com problemas que se estruturam ao longo de um tempo histórico, configurando uma concentração da renda e da riqueza, um atraso científico e tecnológico com uso predatório dos seus ecossistemas e um baixo nível de competitividade sistêmica, são necessárias também a formulação e a implementação de políticas de desenvolvimento, cujos resultados se dão ao longo de um tempo maior por serem políticas não de ajustes mas de reestruturação.


A separação entre o curto prazo, onde se observam as questões conjunturais, e o longo prazo, onde se destacam as questões estruturais, é um problema de metodologia científica proposto nas obras de Alfred Marshall no final do século 19, quando, para fins de análise, mantêm-se alguns fatores explicativos controlados para se concentrar em outros mais relevantes e variáveis visando explicar o que de fato interessa. Quando um comentarista econômico da TV analisa os impactos das mudanças nas taxas de juros sobre as decisões de consumir bens duráveis ou de investir no capital técnico (máquinas, instalações, etc.), por exemplo, ele está pressupondo que a distribuição da renda e da riqueza da sociedade é dada e que não irá se alterar no curto prazo. No curto prazo, a pergunta do comentarista deveria ser: quais são os impactos da mudança na taxa de juros, se tudo mais permanecer constante?


Essa relação entre as políticas de curto prazo e as políticas de médio e de longo prazo deve ser tratada de forma simultânea no tempo-calendário, como fizeram os Ministros Roberto Campos e Gouveia de Bulhões, em 1965. Construíram, de forma integrada, uma política de estabilização para reduzir as taxas aceleradas de inflação (o PAEG), reformas político-institucionais de médio prazo para manter a consistência macroeconômica e, ao mesmo tempo, um plano decenal para a retomada do crescimento econômico. Esse conjunto de políticas interdependentes levou à redução do processo inflacionário e a economia brasileira a um segundo ciclo de expansão no final dos anos 1960 e na década dos anos 1970, quando as taxas de crescimento foram excepcionais durante o chamado “milagre econômico”.


Há vários exemplos sobre como a distinção metodológica entre políticas de curto prazo e políticas de desenvolvimento não resiste a registros de eventos históricos, pois o que se planeja para o longo prazo impacta o que se decide para o curto prazo. De outra forma, parafraseando Keynes, de curto em curto prazo, no longo prazo, poderemos estar todos mortos.


Se para controlar a demanda agregada, que pressiona as taxas de inflação, for necessário elevar a taxa real de juros, a distribuição da renda e da riqueza se concentrará ainda mais para os rentistas. Se para estimular as exportações a desvalorização cambial se acelera, os custos de energia e de alimentos/insumos importados se elevam, impactando os bens de salários de forma duradoura e proporcionalmente com mais intensidade. Se para controlar a inflação, a correção dos salários de trabalhadores públicos e privados é defasada, o seu nível de bem-estar social irá declinar ao longo do tempo.


Nos atuais modelos de crescimento econômico, destaca-se que decisões de políticas econômicas para o controle dos ciclos econômicos de curto prazo podem gerar fissuras e cicatrizes no sistema que persistem no médio e no longo prazo. O fundamentalismo de mercado propõe que, se o Estado minimizar o seu grau de intervenção no funcionamento dos mercados tanto de bens e serviços quanto de fatores de produção (nos mercados de trabalho, principalmente), as forças livres da oferta e da procura terão capacidade de equacionar os problemas econômicos fundamentais de toda sociedade: o que produzir, como produzir, para quem produzir e onde produzir.


Nesse sentido, ao nível da macroeconomia, o objetivo é zerar o déficit fiscal consolidado através das reformas político-institucionais previdenciária, tributária e administrativa e controlar os níveis da dívida pública, a fim de se criar um ambiente de expectativas favoráveis à retomada do crescimento com estabilidade. Vale dizer, ao adotar um modelo de equilíbrio fiscal expansionista, o crescimento econômico virá por acréscimo: Laissez faire, laissez passer.


Os fundamentos conceituais desse modelo de crescimento emergiram quando os países mais desenvolvidos enfrentaram as crises financeiras de 2008 e a posterior pandemia da Covid 19, gerando profundos e indesejáveis déficits fiscais - uma doutrina segundo a qual a consolidação fiscal induziria o crescimento do PIB por causa da confiança crescente nas forças do mercado. Ao contrário da proposta de Keynes, menos gasto público pode significar mais crescimento. Uma doutrina que funcionou adequadamente para países como a Alemanha ou os Países da Escandinávia, com suas estruturas socioeconômicas e socioambientais consolidadas e sistematizadas.


Assim, os governos que adotaram esses fundamentos conceituais em suas políticas econômicas foram conduzidos às seguintes decisões controversas e conflituosas:


1.    para promover o equilíbrio fiscal e eliminar os déficits prevalecentes será necessário um corte tanto mais intenso nos gastos públicos quanto maior for o tamanho do déficit, e tanto menos intenso quanto maior for a possibilidade de elevar incrementalmente a carga tributária; quanto mais instabilidades, maior a frequência nos cortes;

2.    os critérios para os cortes, congelamentos ou contingenciamentos dos gastos públicos ocorrem, quase sempre, sobre os parcos recursos não vinculados do orçamento, de tal forma que serão reduzidos os recursos financeiros disponíveis para programas e projetos altamente prioritários e politicamente sensíveis para a sociedade (investimentos em infraestrutura econômica e social, políticas sociais compensatórias, etc.); quando houver cortes de gastos, eles tendem a ocorrer em serviços que podem ser absolutamente essenciais para a população de baixa renda, induzindo tensões políticas no sistema e ineficiência na prestação dos serviços públicos;

3.    no caso brasileiro , como o déficit público é de natureza estrutural e não apenas o resultado de conjunturas desfavoráveis nos ciclos econômicos, o programa de austeridade fiscal incorporou adequadamente as reformas político-institucionais da Previdência, do sistema tributário e a administrativa, redundando em um novo Pacto Federativo;  historicamente, o déficit se configura como estrutural uma vez que a base tributária sofreu com a desaceleração da economia brasileira a partir de 1980, enquanto as despesas públicas se aceleraram a partir da implementação das políticas públicas definidas pela Constituição de 1988;

4.    há dificuldades de se implementar um programa de austeridade fiscal no Brasil pois, por trás de cada Real de despesa pública programada, há sempre um grupo estruturado e politicamente mobilizado de interesse social, regional, setorial produtivo ou não produtivo, de tal forma que cortes, contingenciamentos, reprogramações das despesas se caracterizam como uma difícil arte de negociação política com o Congresso Nacional e com grupos organizados da sociedade civil; um convite a prováveis tensões sociais e políticas se o processo de implementação for realizado sem flexibilidade negocial, em termos de sequenciamento, intensidade e cadência das ações.


Apesar de todas essas dificuldades e controvérsias, as políticas de ajuste fiscal são indispensáveis para que o Governo Federal não perca o controle de suas contas, facilitando o retorno das taxas descontroladas de inflação ou até mesmo caminhando para um processo de “argentinização” da nossa economia.


Para garantir que isso não ocorra, há dois princípios básicos que precisam ser respeitados: a plena independência do Banco Central para conduzir a política monetária que for tecnicamente necessária e a política fiscal tem que dispor de absoluto controle sobre os gastos públicos, resistindo às pressões recorrentes para o aumento dos gastos ainda que legítimos politicamente.


Efetivamente, expectativas favoráveis no ambiente de negócios emergem com déficits fiscais sob controle e com taxas de inflação dentro da meta, o que pode facilitar a queda nas taxas de juros reais, implicando, antes de tudo, em uma política macroeconômica de austeridade fiscal. Se bem-sucedida, essa política poderia expandir a demanda agregada e criar um círculo virtuoso de retomada de crescimento econômico. No caso brasileiro, o desafio maior se encontra no profundo descompasso entre o ritmo de crescimento das receitas públicas, que crescem em ritmo aritmético, e as despesas públicas, que crescem em ritmo geométrico, o que pode durar décadas e comprometer futuros mandatos presidenciais, sendo limitados os graus de liberdade para as decisões do Governo no curto prazo.


O crescimento das fontes de usos (impostos, taxas, contribuições parafiscais) tem sido tão lento quanto o crescimento do PIB nas quatro últimas décadas, desproporcional à avalanche de usos alternativos dessas fontes, sendo intensa a propensão político-administrativa à formação de déficits fiscais, potencializada pelas contradições ideológicas da base do governo. Nesse contexto, a gestão pública acaba se limitando a selecionar quais problemas socioeconômicos e socioambientais deseja resolver, e, geralmente, são selecionados aqueles para os quais há maior mobilidade política no curto prazo, a partir da base aliada.


Ocorre que o tempo da política é mais acelerado, menos flexível e menos tolerante do que o tempo da economia e a retomada do crescimento pós-ajustes macroeconômicos pode não acontecer no prazo compatível com a ansiedade e a paciência dos governantes ao longo de seus mandatos. Pois, afinal, a retomada do crescimento não ocorre apenas como subproduto cronológico de ajustes fiscais mas, principalmente, a partir da concepção de projetos de .desenvolvimento programados para serem implementados ao longo dos mandatos.


Uma solução definitiva para esse descompasso passa pela formação e implementação do terceiro ciclo de expansão da economia brasileira do pós-II Grande Guerra, o qual deve ser arquitetado através de um conjunto de programas e projetos de desenvolvimento sustentável, configurando um braço complementar e integrado à atual política de equilíbrio fiscal expansionista.


II. ESTABILIDADE MONETÁRIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Precisamos conceber e implementar uma nova política econômica baseada em três argumentos principais:


1.    há necessidade de se consolidar a consistência macroeconômica do País, sustentando e aperfeiçoando o modelo de equilíbrio fiscal expansionista, mesmo sabendo de suas limitações e dos efeitos colaterais indesejáveis, uma vez que o descompasso entre receitas públicas, que têm crescido lentamente com a desaceleração da expansão do PIB desde 1980, e as despesas públicas, que vêm se acelerando para financiar as indispensáveis e legitimamente definidas políticas públicas de crescimento econômico, de equidade social e de sustentabilidade ambiental que são um componente essencial para consolidar a nossa democracia;

2.    diante desse descompasso, a busca do equilíbrio fiscal vem ocorrendo através dos congelamentos e dos contingenciamentos dos gastos públicos, de eventuais acréscimos na carga tributária, de ocasionais acréscimos de receitas de privatizações, de concessões ou de redução das sonegações fiscais, um trabalho de Sísifo face à avalanche de despesas reprimidas que têm resultado na perda na qualidade dos serviços públicos e semipúblicos e de intensas tensões e insatisfações da famílias das classes C,D e E; como dizia Vilfredo Pareto: numa economia estagnada, um não pode enriquecer sem que outro empobreça;

3.    sem saída? é evidente que não, pois se as despesas públicas para melhorar a qualidade dos serviços públicos e semipúblicos, para modernizar a nossa infraestrutura econômica e social, para consolidar as políticas sociais compensatórias, para conservar, preservar e recuperar os nosso ecossistemas nos seis Biomas são absolutamente insuficientes e cada vez mais insuficientes no atual contexto político, não se deve aumentar significativamente a carga tributária, mas sim acelerar o crescimento do PIB, da Renda Nacional, da Riqueza Nacional que constituem as fontes de fundos das Receitas Públicas dos três níveis de governo.


Vejamos um pouco de números, o que poderia ser denominado de uma forma de aritmética frívola:


a.    de 1900 a 1980, o PIB cresceu em média de 5% ao ano, destacando-se os seguintes períodos:

·       1940 – 1950: 5,9%  ao ano

·       1950 – 1960: 7,38% ao ano

·       1960 – 1970: 6,17% ao ano

·       1970 – 1980: 8,63% ao ano

b.    de 2000 a 2020, a taxa de crescimento foi de apenas 2,2 % com o crescimento demográfico anual de 1,7% ao ano, o crescimento da produção de bens e serviços para cada brasileiro foi insuficiente ou pífio, enquanto a China cresceu no acumulado mais de 300%nesse período; se o Brasil tivesse mantido a taxa de crescimento de 5% ao ano de 1980 a 2020, o brasileiro poderia ter o padrão de vida médio do italiano ou do espanhol atualmente.

c.     a uma taxa de crescimento de 5%, o valor do PIB dobra de 14 em 14 anos, o que significa que as Receitas Tributárias do Governo Federal poderiam estar atualmente em nível superior a 7 trilhões de Reais.


O nosso dilema é, pois, construir e implementar um ciclo de expansão com a condicionalidade de não se desorganizar ou de se desestruturar a atual política de estabilização monetária, a qual vem se mantendo ainda que sob enorme pressão política vinda dos setores mobilizados das classe política e de segmentos da sociedade civil organizada. Para isso, é fundamental que os programas e projetos que irão compor um novo ciclo de expansão tenham pelo menos as seguintes características:


1.    sejam programas e projetos de desenvolvimento sustentável que atingem um processo de crescimento econômico globalmente competitivo, inclusivo na distribuição dos frutos do crescimento com justiça social entre famílias e regiões, e sustentável na preservação, conservação e recuperação dos ecossistemas dos seis Biomas (Amazônia. Mata Atlântica, Cerrados, Caatinga, Pantanal e Pampas);

2.    o financiamento dos programas e dos projetos seja não inflacionário e compatível com os objetivos da política de estabilização para evitar pressões adicionais sobre a estrutura dos gastos públicos;

3.    sejam programas e projetos em fase avançada de amadurecimento político-institucional para fins de implementação ou porque já estão em processo experimental finalístico ou porque já estão em fase operacional bem sucedida, ou seja realístico dentro do atual contexto histórico do Brasil e do Mundo respeitando os limites do possível;

4.    que tenham passado pela avaliação financeira tradicional com sucesso, assim como pela avaliação socioambiental do Banco Mundial/OCDE / BID com positiva taxa interna de retorno social;

5.    que contribuam intensamente para viabilizar soluções para os principais compromissos assumidos pela atual administração do Governo Federal e dos Governos Estaduais durante o processo eleitoral de 2022, a fim de que possam assumi-los e liderá-los com intensidade e determinação política.


O Brasil tem se situado entre as dez maiores economias do Mundo com um PIB superior a 3 trilhões de Reais , um valor bruto da produção (VBP) em torno de 9 trilhões de Reais e um valor de 340 bilhões de dólares das exportações dinâmicas e diversificadas.

A menos que ocorram políticas econômicas equivocadas e voluntaristas, dificilmente uma economia como a brasileira, com uma diferenciação produtiva ampliada poderia ter taxa de crescimento anual negativa.


Assim, tem sido comum os governos incumbentes se encantarem com os eventuais resultados de taxas flutuantes e instáveis de crescimento em torno de 2% a 3% ano, o que é meno male diante dos riscos de uma semiestagnação da nossa economia, mas rigorosamente insuficientes e frustrantes para equacionar as questões estruturais do País, um descontentamento que poderá vir a ocorrer durante o próprio mandato de um governo, como “Cinderela após a meia-noite”.


De 1979 a 1990, Margareth Thatcher foi a Primeira-Ministra do Reino Unido e cunhou a expressão “não há alternativa” (TINA – There is no alternative) para justificar a sua política de austeridade fiscal, visando a encolher o papel do Estado na economia através dos cortes nos gastos públicos e controle dos limites da dívida pública consolidada. O que ocorreu principalmente através dos cortes nos gastos com o Estado do Bem-Estar (Welfare State) e de um programa de privatização e de desregulamentação, o que se denominou de neoliberalismo.*


Desde 2014, o Brasil vem adotando uma ou outra forma desse modelo de política econômica (modelo de equilíbrio fiscal expansionista) na expectativa de que a estabilidade monetária possa promover a retomada de crescimento sustentado e sustentável. Essa política tende a criar condições para eventualmente estimular as atividades de consumo e de investimento através do controle da inflação e da redução das taxas de juros, mas não para criar um processo de desenvolvimento sustentável sem a formulação e a implementação de projetos que possam ter financiamento não inflacionário, que sejam realistas e viáveis no atual contexto da economia brasileira e mundial, que contribuam para a tríplice objetivo de crescimento econômico, globalmente competitivo com equidade social, e sustentabilidade ambiental.


 

III. CINCO PROPOSTAS DE PROGRAMAS E PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA A CONSTRUÇÃO DO FUTURO


1. O TERCEIRO SALTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA AGRICULTURA BRASILEIRA


Depois da II Grande Guerra, a agropecuária brasileira era conhecida como um setor econômico atrasado em termos do progresso tecnológico, de elevada inelasticidade de oferta de seus produtos, sendo o abastecimento de alimentos nos centros urbanos dependente de importações e com deterioração nas relações de troca no comércio exterior. Na verdade, entre os mecanismos de controle da inflação, destacava-se predominantemente o controle dos preços de mercado dos alimentos, os quais, com frequência, eram tabelados ou congelados (criando incertezas prospectivas) em uma economia cujos processos de urbanização se aceleravam. Frequentemente, a agropecuária era um setor produtivo discriminado em termos das políticas públicas do Governo Federal, tanto da política fiscal quanto da política monetária. Com preços tabelados pela SUNAB e custos variáveis crescentes quebram-se os estímulos para produzir e comercializar e, ao mesmo tempo, atribuindo ao setor incompetência e atraso (blaming the victim).


A partir da segunda metade dos anos 1960, com os mercados de alimentos e toda a sua cadeia de valor sendo liberados da pesada intervenção governamental, a agropecuária brasileira deu início a uma expansão mais sustentada. Entretanto, foi quando ocorreu a revolução científica e tecnológica dos anos 1970 que a agropecuária brasileira passou a ser um dos setores responsáveis pela maior oferta de proteína animal e vegetal do Mundo. Atualmente passa por um processo de atualização científica e tecnológica que poderá constituir uma das bases do Terceiro Salto da Agropecuária Brasileira.


Durante o Período Colonial, a agricultura se caracterizava pelo uso extensivo e predatório dos recursos naturais, pelo baixo progresso tecnológico, pelos desmatamentos e queimadas, pela sobre-exploração da força de trabalho e, até mesmo, por infringir a ordem jurídica prevalecente. As primeiras transformações ocorreram a partir do avanço da cafeicultura no Sudeste do País, que operava com mão de obra livre e com melhor distribuição de renda, o que levou à dinamização do mercado interno.


Mas, a Grande Transformação da agricultura brasileira ocorreu no início dos anos 1970, quando, sob a liderança de Alysson Paolinelli, realizou-se a revolução científica e tecnológica nos cerrados brasileiros, a partir dos experimentos de agricultura de sequeiro e agricultura irrigada no Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP), quando era Secretário da Agricultura do Estado de Minas Gerais. No governo do Presidente Ernesto Geisel, como Ministro da Agricultura, transformou o bem-sucedido PADAP em um programa nacional (o POLOCENTRO) que estendeu as inovações tecnológicas na produção de grãos e carnes para diversas áreas do País (Sul de Goiás, Centro Norte do Mato Grosso, Oeste da Bahia, Balsas no Maranhão, Rondônia, Gurguéia no Piauí, etc.).


O dinamismo do agronegócio brasileiro, um dos atuais líderes mundiais na produção e exportação de proteína animal e proteína vegetal, se deve, principalmente, ao progresso tecnológico que tem sido incorporado aos seus segmentos produtivos, a partir da criação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, liderado pela EMBRAPA. O Brasil está atualmente entre os 5 maiores exportadores de cerca de 30 produtos agrícolas do Mundo.


O agronegócio é o setor produtivo mais importante da economia brasileira e tem evitado que a recessão, iniciada em 2014, se transforme em depressão econômica. É o carro-chefe de poderosas cadeias produtivas e de valor que envolvem, direta e indiretamente, diferentes setores, com impactos que se espraiam para a indústria química, a indústria de bens de capital, os setores de tecnologia e informação, o setor de transporte, etc. Contribui para intensa redução do custo da cesta básica que beneficiou, principalmente, os grupos sociais de baixa renda, para os quais o peso das despesas com alimentos é maior. Na verdade, pode-se constatar uma dualidade básica na agricultura brasileira: a agricultura tradicional que desmata e de baixa produtividade e a agricultura moderna que adota as inovações científicas e tecnológicas do Sistema Nacional de Pesquisas Agropecuárias. Nessa moderna agricultura, adota-se crescentemente o modelo organizacional de clusters da empresa-âncora que permite conciliar a grande propriedade com a agricultura familiar.


O agronegócio moderno intensivo de conhecimento científico e tecnológico não precisa desmatar para se expandir. Segundo pesquisadores do Sistema Nacional de Pesquisas Agropecuárias, se conseguíssemos transferir 50% da tecnologia sustentável para a agricultura, seria possível dobrar a produção de alimentos sem abrir novas áreas e sem abater uma única árvore, promovendo o Terceiro Salto de Desenvolvimento da Agropecuária Nacional, conforme proposto por Alysson Paolinelli, para a produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas.


Se dobrarmos a produção de alimentos em um decênio (basta a agropecuária crescer em média 7% ao ano) quais serão os mercados? Pelo menos três grandes mercados. A dimensão de um mercado é dada pelo tamanho da população, pela produtividade total dos fatores da produção e, pela distribuição da renda e da riqueza da sociedade. No caso brasileiro, os três grandes mercados para a produção expandida de alimentos poderiam ser: 1. o aumento do mercado interno pela expansão da produtividade e das políticas sociais compensatórias; 2. a melhoria da competitividade do agronegócio a partir do novo ciclo de inovações e da melhoria da logística de acessibilidade aos mercados de alimentos que mais crescem no Mundo, o Sudeste Asiático; 3. a expansão dos mercados gerados pelos inúmeros programas nacionais e internacionais de segurança alimentar e de combate à fome.


O acesso aos mercados de Sudeste da Ásia pode se dar pelo Porto Chancay, o maior porto da América Latina no Peru que os chineses estão construindo a 80 Km de Lima (inauguração prevista para o ano que vem) para o escoamento da produção da América Latina. O financiamento das obras de infraestrutura econômica poderia ser realizado num modelo de negociação dentro do estilo da PRODECER, incluindo a revitalização do melhor da engenharia nacional.

(Ver Paulo R. Haddad – dois livros de Crônicas publicados em 2023 e 2024 pela e-Galáxia na Amazon Book-Kindle)


2. REINDUSTRIALIZAÇÃO: O MODELO DE DESENVOLVIMENTO DATERCEIRA ITÁLIA PARA A PROMOÇÃO DAS AGLOMERAÇOES PRODUTIVAS DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS


Depois da II Grande Guerra, quando a Itália retomou o seu processo de crescimento econômico, consolidou-se um grave problema de desequilíbrios regionais de desenvolvimento: o Norte se industrializando rápido e modernamente e o Sul convivendo com as mazelas do atraso econômico e da pobreza. Enquanto o Poder Central buscava atenuar esses desequilíbrios socioeconômicos através de políticas de desenvolvimento regional coordenadas pela Cassa per il Mezzogiorno (uma experiência que Celso Furtado tomaria como referência para propor ao Presidente JK a organização da SUDENE), Prefeitos social-democratas ou comunistas das Províncias Emiglia Romana, Veneto entre outras, no Centro e no Nordeste da Itália, decidiram que não iriam esperar que o País equacionasse as suas inconsistências macroeconômicas (inflação elevada, déficits fiscais, etc.) para resolver os seus problemas socioeconômicos e socioambientais locais e regionais.


Através de uma mobilização social e política das comunidades locais promoveram, ao longo do tempo, uma instituição denominada de Distrito Industrial que se caracterizava pela existência de aglomerados produtivos de pequenas empresas, cuja principal estratégia é a inovação contínua e a utilização de métodos flexíveis de produção, cujos fundamentos conceituais se originaram das obras de Alfred Marshall na Inglaterra (1890). 


Foi uma experiência de desenvolvimento territorial bem sucedida: os Distritos Industriais Italianos são responsáveis, atualmente, por mais de 50% das dinâmicas exportações italianas. Esse modelo de desenvolvimento que se caracteriza pelo princípio de “cooperar para competir” se difundiu para diferentes regiões como Baden- Württemberg, na Alemanha, Jutland na Dinamarca, etc.


No Brasil, muitas experiências semelhantes tiveram início a partir de 1999, quando o SEBRAE, na gestão de Sérgio Moreira, realizou um convênio com a PROMOS (Agência Internacional de Cooperação Técnica da Câmara de Comércio de Milão) que deu assistência, através de experientes consultores na migração das experiências dos Distritos Industriais para diferentes regiões do País.  Atualmente, há algumas centenas de projetos sendo implementados no Brasil (mais de 300 formalizadas), em todas as Unidades da Federação pelo SEBRAE, Federações e Associações empresariais, empresas de consultoria, etc., com o apoio de informação e conhecimentos gestados em instituições acadêmicas. Como no Brasil distrito industrial é uma área urbanizada para localização de atividades produtivas, adotou-se a expressão de Arranjos Produtivos Locais (APLs).Estima-se que há cerca de 3000 aglomerações produtivas de micro e pequenas empresas espalhadas por todas as regiões do País em diferentes atividades, do aglomerado de catadores de caranguejos no Delta do Parnaíba aos produtores de vinho na Campanha Gaúcha.


Mas nem todos esses projetos vêm dando certo por diferentes motivos:


1. a ausência de um grupo de vanguarda empresarial nas localidades (municípios ou microrregiões) em que se localizam os projetos que possam liderar todas as etapas de sua organização e implementação;

2. esse tipo de projeto de desenvolvimento local tem chances maiores de dar certo em contexto político-institucional no qual há um ambiente de inconformismo dos stakeholders (formadores de opiniões sobre decisões a serem tomadas) com os precários indicadores sociais e econômicos, assim como do subaproveitamento das potencialidades de desenvolvimento local ou microrregional para equacionar esses problemas;

3. inconformismo não é apenas insatisfação com a realidade social prevalecente, mas pressupõe capacidade endógena de transformação, a ausência de apatia e de acomodação muito comum entre os rentistas financeiros ou falta de esperança entre muitos que sobrevivem miseravelmente, graças a alguma política social compensatória.


Mas, o grande ponto de estrangulamento para que os APLs potenciais sejam bem sucedidos é a necessidade de que cada plano de ação tenha os seus componentes negociados com instituições públicas e privadas para fins de implementação (financiamentos, formação de recursos humanos, processos tecnológicos, marketing, etc.) dentro do que se denominas de “estilo de planejamento para negociação, uma vez que, em um processo de planejamento clássico o número de objetivos tem de ser igual ao número de instrumentos e os dirigentes de um APL não controlam nenhum instrumento fiscal, monetário ou regulatório.


Assim, se desejarmos que a melhoria da competividade global e sistêmica das aglomerações produtivas de micro e pequenas empresas brasileira venha a compor o novo ciclo de expansão de desenvolvimento sustentável da nossa economia como um dos programas estratégicos, é indispensável que o Governo Federal coordene os seus órgãos da Administração Direta e da Administração Indireta para a prestação de serviços de desenvolvimento conveniados para viabilizar e consolidar os APLs, segundo um modelo de desenvolvimento endógeno no estilo de planejamento participativo.


(ver Manual do SEBRAE sobre “Como Organizar e Implementar Arranjos Produtivos Locais de Micro e Pequenas Empresas” – Brasília, 2024.)


3. REINDUSTRIALIZAÇÃO II: O DESENVOLVIMENTO E A PROMOÇÃO DE PROJETOS DE BIOECONOMIA DA AMAZÔNIA


Desde que se acelerou o processo de degradação dos ecossistemas da Amazônia, em função do uso predatório dos seus recursos naturais renováveis e não renováveis, são inúmeros os empreendedores nacionais e internacionais, os pesquisadores e policy-makers de diferentes instituições públicas e privadas que vêm procurando alternativas para desenvolver a Região com base em projetos da Bioeconomia. Muitas instituições têm realizado análises prospectivas das alternativas de uso do potencial de desenvolvimento de projetos de Bioeconomia, a partir, principalmente, dos recursos naturais renováveis e não renováveis nas áreas em processo de desenvolvimento, listando os projetos identificados em estudos preliminares para maior nível de detalhamento posterior. Essa lista é geralmente muito extensa porque a Bioeconomia, a partir principalmente dos recursos naturais renováveis e não renováveis nas áreas em processo de desenvolvimento, listando os projetos identificados em estudos preliminares para maior nível de detalhamento posterior. Essa lista é geralmente muito extensa porque a Bioeconomia corresponde a um campo de estudo bastante amplo que engloba todas as soluções de base biológica que promovem a sustentabilidade ambiental. *


Na visão do projeto Agropolo Campinas-Brasil, por exemplo, a economia brasileira vai passar por uma transição nos próximos 10 a 35 anos, saindo de uma economia baseada em fósseis em direção à Bioeconomia. “Essa transição será feita com o desenvolvimento de produtos de base biológica derivados da agricultura e com alimentos, saúde, bioenergia e química verde que terão de ser eficientes, efetivos e conter vantagens do ponto de vista ambiental, social e econômico.


Os projetos de investimentos na Bioeconomia podem ser localizados por Bioma. No caso da Amazônia os projetos  têm as mais diferentes características: alguns são de maior escala produtiva (produção da energia alternativa de biodiesel de dendê, no Estado do Pará), outros são de micro e pequenos empreendimentos (produtos derivados do açaí); alguns podem estar geograficamente isolados (produção de móveis com madeiras sustentáveis, no Acre) ou geograficamente concentrados (produtores de proteína animal e vegetal industrializados no Centro-Norte do Mato Grosso); alguns podem ter apenas um primeiro beneficiamento (produtores de carne de pirarucu para exportação), outros podem ser industrializados para exportação. É inquestionável o imenso potencial de desenvolvimento da Bioeconomia na Amazônia (ver Quadro 1).


 

Quadro 1

Arranjos Produtivos Locais Potenciais na Amazônia – Principais Produtos

 

RECURSOS REGIONAIS

 

PRODUTOS

FITOTERÁPICOS

Xaropes, cápsulas, chás, unguentos, pomadas, emplastros, cremes, soluções, tinturas e pós.

FITOCOSMÉTICOS

Óleos, óleos fixos, óleos essenciais, extratos vegetais, corantes, maquiagens, desodorantes, xampus, cremes, dentifrícios, talcos, sabonetes, sais, colônias, perfumes e loções.

MADEIREIRO

Laminados, compensados, laqueados, móveis, embalagens, casas pré-fabricadas, artesanato, pequenos objetos de madeira e biomassa.

PISCICULTURA

Alevinos, peixes para alimentação, óleo de peixe, peixes ornamentais, ração para peixe, couro e peles de peixe.

FLORICULTURA

Flores ornamentais, folhagens tropicais, bromélias e orquídeas (mudas e flores).

NUTRICÊUTICOS/COMPLEMENTOS ALIMENTARES

Vitaminas, bebidas energéticas, corantes naturais, bebidas não alcoólicas, chocolates, bombons, concentrados, sucos, xaropes, sorvetes, extratos e geleias.

FRUTICULTURA

Frutas tropicais, frutas cristalizadas, compotas, polpas de frutas doces, preparados em pó para bebidas.

MICROBIOLOGIA INDUSTRIAL

Bebidas alcoólicas, vinagre, álcool, combustível, antibióticos, proteína microbiana, enzimas, produtos lácteos, demais substâncias isoladas e metabolizadas por micro-organismos.

Fonte: Pimentel, N, UFAM, Manaus

 

Na formação da cadeia de valor desses produtos, as atividades extrativistas e os primeiros beneficiamentos podem se localizar nas comunidades locais com as florestas em pé, e as atividades intensivas de Ciência e Tecnologia em centros industriais especializados nas Capitais ou Cidades de Porte Médio da Amazônia.


A importância da adoção de um processo de industrialização bioeconômica para a economia da Amazônia pode ser ilustrada através de um estudo do World Resources Institute (WRI). 

O WRI elaborou dois cenários para a Amazônia em 2050:


cenário de referência, sem restrições às emissões de CO² e com desmatamentos no ritmo atual;

cenário da Nova Economia da Amazônia, com Restrição pelo Acordo de Paris e Desmatamento ZERO. Os resultados são surpreendentes (ver Quadro 2).

 

Quadro 2

Cenários / Impactos

Cenário de Referência

Cenário da Nova Economia da Amazônia

1.Florestas Restauradas em milhões de Hectares

2

24

2.Emissões Acumuladas em Bilhões de CO²

43,6

7,7

3.PIB na Bioeconomia em R$ Bilhões

22,3

38,5

4.Emprego da Bioeconomia em mil

592

947

5.Uso do Solo-Investimento em R$ trilhões

0,99

1,65

6.Energia e Infraestrutura Investimento em R$ Trilhões

2,37

4,27

 

Para que os projetos de Bioeconomia venham a ser elaborados para a preservação da Floresta em pé, gerando emprego e renda para milhares de desempregados ou subempregados na Região, é necessário que se organize um sistema de promoção industrial de projeto de Bioeconomia na Região, lembrando que nenhuma instituição nacional ou estrangeira financia ideias, mas projetos.


4. REINDUSTRIALIZAÇÃO III: O NEW DEAL VERDE E A INDÚSTRIA DA MUDANÇA CLIMÁTICA


Diversos países desenvolvidos emergentes estão se programando para um novo ciclo de estabilidade e de crescimento econômico no período pós-mudanças climáticas, o que vem sendo denominado do “novo normal”. Há uma intensa discussão sobre qual seria o conjunto de investimentos públicos e privados que poderiam recuperar e ampliar os níveis de emprego e de renda esgarçados pelas desastrosas mazelas econômicas e sociais dos desastres ambientais provocados pelas mudanças climáticas. Uma das estratégias é a de formular e implementar um "New Deal Verde", como tem ocorrido nas administrações dos EE.UU. e em muitos países da União Europeia (Green New Deal).


O New Deal foi um programa de investimentos maciços em obras públicas, lado a lado com políticas sociais compensatórias, que o Presidente Roosevelt concebeu e executou, com grande sucesso, para retirar a economia norte-americana da Grande Depressão de 1929. A liderança dos investimentos foi comandada pelo Governo Federal já que, mesmo com uma redução drástica das taxas de juros ou da carga tributária, o setor privado não iria aumentar os seus gastos em consumo e em bens de capital, dados os elevados níveis de incerteza e de risco prevalecentes, refugiando-se no entesouramento (preferência pela liquidez).


De fato, Keynes chegou a afirmar que se o Governo autorizasse o emprego de pessoas para encher garrafas com velhas notas de dinheiro, as enterrasse bem fundo em minas de carvão desativadas, enchesse essas minas com lixo das cidades e deixasse as empresas privadas desenterrarem o dinheiro, poderia não haver mais desemprego.


Na verdade, a principal mensagem de Keynes era a de que o gasto público adicional não fosse realizado de formas bizarras, através do desperdício dos recursos dos contribuintes. Sua proposta era usar o déficit público para construir habitações ou executar obras do mesmo gênero. É preciso haver, pois, além das políticas sociais compensatórias, uma preocupação em relação aos investimentos, tais como sua focalização, sua composição e seus impactos de médio e de longo prazo. Nesse sentido, muitos países estão formulando programas anticíclicos de defesa dos níveis de renda e de emprego, focalizados nas questões das mudanças climáticas.


No caso brasileiro, dada a profunda crise fiscal e financeira que assola o setor público nos três níveis de governo, há que se encontrar uma estratégia de revitalização da economia que estimule o setor privado a investir em grandes projetos. Destacam-se diversas áreas programáticas intensivas de sustentabilidade ambiental: recuperação dos danos ambientais nas bacias hidrográficas e nas florestas prístinas; saneamento básico dentro do Plano Nacional de Recursos Hídricos; modernização da infraestrutura da logística com baixo carbono; reestruturação alternativa da matriz energética; terceiro salto tecnológico expansivo do agronegócio, sem desmatamento. O Governo Federal tem encontrado inúmeras dificuldades para financiar de forma não inflacionária esses programas. Propõe-se, pois, numa perspectiva realista, que o Brasil se transforme no terceiro maior produtor mundial (depois da Alemanha e da China) da “indústria da mudança climática”, que inclui bens duráveis de consumo e equipamentos na cadeia de valor metalmecânica, na qual o Brasil se destaca pela competitividade sistêmica global através de empresas nacionais com ou sem joint-ventures.


O papel do Estado deveria ser o de indutor dos projetos de investimentos, abrindo linhas especiais de financiamentos adequados, desregulamentando as atividades setoriais, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável e adotando um sistema inteligente de incentivos fiscais e financeiros.


Planejar é preciso. O governo não pode se limitar, letargicamente, à simples gestão do equilíbrio fiscal, enquanto produtores e consumidores ficam à espera da redução das incertezas para tomar as suas decisões sobre a construção do futuro. Como diz Peter Drucker: “:A melhor forma de prever o futuro é criá-lo”.


(Ver Jonas Nahm- “Green Growth Models” apud Lucio Boccaro, Mark Blyth and Jonas Pontusson – Diminishing Returns – The New Politics of Growth and Stagnation. Oxford, 2022).


 

5. EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA MARGEM EQUATORIAL BRASILEIRA


Trata-se de um grande projeto de investimento liderado pela PETROBRÁS que tem gerado intensas controvérsias em torno de seus objetivos e impactos socioambientais, localizado no Norte do País, entre os Estados do Amapá e do Rio Grande do Norte, apresenta um imenso potencial petrolífero, destacando-se as Bacias: Águas Profundas no Amapá, Bacia da Foz do Amazonas, Bacia do Pará-Maranhão, Bacia de Barreirinhas, Bacia Potiguar.


A relevância da Margem Equatorial se destaca quando se constatam as recentes descobertas realizadas em outras regiões próximas a essa fronteira (Guiana, Guiana Francesa e Suriname), mas, principalmente, porque pode eventualmente se tornar, a partir das etapas de prospecção, em uma das maiores reservas petrolíferas do Mundo.


Os legítimos argumentos dos movimentos organizados da sociedade civil contra a exploração podem ser apresentados a partir do artigo de Lu Sodré, jornalista do Greenpeace, dos quais destacam-se:


1. precisamos evitar o pior da crise climática, acabar com a queima dos combustíveis fósseis, processo responsável pela emissão dos gases de efeito estufa com consequente aquecimento do Planeta, é imprescindível para que metas de combate à crise do clima sejam alcançadas;

2. perigo para a biodiversidade, trata-se de espécies de fauna e flora que só ocorrem na Amazônia, e que caso impactadas por um eventual derramamento de petróleo terão muita dificuldade para se regenerar. Por exemplo, na Bacia da Foz do Amazonas está localizado o maior corredor contínuo de manguezais do Planeta.


É grande a desconfiança de nossa população quanto aos benefícios das atividades extrativas minerais para a sociedade brasileira. Sem dúvida, o principal motivo está ligado ao fato de que, em sua maioria, os grandes desastres ambientais no Brasil estão relacionados aos projetos que utilizam intensivamente recursos naturais renováveis e não renováveis, entre os quais os projetos de petróleo e gás.


No século 21, destacam-se  os seguintes maiores desastres no Brasil:


1. vazamento de óleo na Baía de Guanabara (2000);

2. vazamento de óleo nos Rios Barigui e Iguaçu no Paraná (2000);

3. naufrágio da plataforma P-36 na Bacia de Campos (2001);

4. rompimento da barragem para a produção de celulose em Cataguases-MG (2003);

5. rompimento de barragem Bom Jardim em Miraí-MG (2007);

6. vazamento de óleo na Bacia de Campos (2011);

7. incêndio na Ultracargo no Porto de Santos (2015);

8. rompimento da barragem do Fundão em Mariana-MG (2015);

9. rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho-MG (2019) com 270 mortes.


Mas, como diz Peter Drucker, no governo há riscos que não podemos correr e riscos que não podemos deixar de correr. O Brasil precisa voltar a crescer de forma sustentada e sustentável, uma vez que a sua taxa de expansão do PIB se desacelerou desde os anos 1980. No século 21, nas duas primeiras décadas, enquanto a China cresceu no acumulado de 345%, o Brasil, também no acumulado, cresceu apenas 26% no mesmo período. Como consequência, muitos problemas estruturais vieram se acumulando: os indicadores de concentração da renda (= salários + juros + lucros + aluguéis) e da riqueza (mobiliária e não mobiliária) se reproduziam; os desequilíbrios regionais de desenvolvimento persistiram (o padrão de vida do alagoano ou do maranhense é cerca de três vezes inferior ao padrão de vida das áreas desenvolvidas do Sul e do Sudeste); as políticas sociais compensatórias foram insuficiente para impactar os regimes de desigualdades; não basta um crescimento ocasional e instável, é necessário que se organize e se implemente o Terceiro Ciclo de Expansão do pós-II Grande Guerra (o primeiro foi durante o Plano de Metas de JK e o segundo durante os anos 1970 com os militares no Poder).  Esse novo ciclo precisa ter escala suficiente para recuperar o tempo perdido no nosso processo de desenvolvimento sustentável. Tem sido intenso o processo de produção de energia renovável no Brasil, que já dispõe de uma matriz energética bastante limpa. Entretanto, o processo avança globalmente de forma lenta e instável, podendo se estender até a segunda metade do século 21. Isso significa que a demanda de petróleo e gás deverá crescer no Brasil de forma significativa ao longo dos próximos anos. Para evitar as incertezas de eventuais desabastecimentos ou de repiques inflacionários de custos a partir da escassez relativa dos derivados de petróleo, não podemos fazer uma aposta em que a crise bélica no Oriente Médio não vai afetar a oferta global de petróleo, em que a OPEP não vai nos surpreender em algum momento, como fez no início dos anos 1970, com a elevação abrupta dos preços dos barris; que o efeito-substituição de energia renovável pela energia não renovável não terá grande elasticidade-renda da procura de mercado. Com tantos problemas estruturais de desigualdades sociais e de pobreza, o Brasil não pode se dar ao luxo de deixar de explorar economicamente a imensa riqueza disponível na Margem Equatorial, desde que de forma ecologicamente sustentável.


A PETROBRÁS vem se tornando uma empresa padrão do século 21: competitiva, inclusiva e sustentável, diferentemente de muitas empresas brasileiras, as quais, diante da crise financeira de 2008, abandonaram a estratégia do Triple Bottom Line e abraçaram a estratégia de maximização de lucro Friedmaniana dos anos 1970, que endossa a “Criação de valor para os acionistas”, ainda que os lucros sejam manchados de lama e de sangue. Os projetos disponibilizados para a Margem Equatorial fazem parte da Nova Geração de Soluções da PETROBRÁS e vão viabilizar soluções com foco em sustentabilidade, sendo:


·utilização de algoritmos de última geração, inteligência de dados e computadores de alto desempenho (HPC);

·ampliação da operação remota, diminuindo consideravelmente possíveis riscos ambientais;

·uso eficiente dos dados sísmicos, geológicos e de poços, desde as fases iniciais do projeto exploratório até o desenvolvimento dos campos;

·otimização dos projetos exploratórios e de desenvolvimento da produção, através do uso massivo de dados e tecnologias e redução nas intervenções com o objetivo de dimensionar os impactos das atividades de E&P.


Experiências nacionais e internacionais mostram ser possível conciliar em grandes projetos de investimentos de infraestrutura ou diretamente produtivos, crescimento econômico, equidade social e sustentabilidade ambiental. Especificamente, em muitas situações, é possível conciliar os impactos ambientais de um grande projeto de investimento com as quatro regras da sustentabilidade (cf. Philip Lawn – Frontier Issues in Ecological Economics. EE, 2007):


1. a taxa de extração do recurso renovável não deveria exceder a taxa de regeneração dos estoques de recurso renovável;

2. a exaustão de recursos não renováveis deveria ser compensada pelo uso dos processos de exaustão (parcela do excedente econômico) para cultivar substitutos de recursos renováveis;

3. a taxa de elevada entropia da geração de desperdícios e resíduos de produção e de consumo não poderia superar a capacidade assimilativa do meio ambiente;

4. a vegetação nativa e os ecossistemas críticos devem ser preservados, reabilitados e/ou conservados; adicionalmente, a futura exploração do capital natural deveria se limitar a área já fortemente modificada por atividades humanas prévias.

 

Podem-se ilustrar o uso dessas regras de sustentabilidade na transformação de um projeto de crescimento econômico em um projeto de desenvolvimento sustentável (=crescimento econômico globalmente competitivo +  distribuição dos frutos do crescimento com justiça social + preservação, conservação e reabilitação dos ecossistemas )  como na construção do Aeroporto Internacional de Confins (RMBH), no projeto de mineração Apolo da Vale (RMBH), no projeto da Rio Tinto na Calha Norte (PA), na construção da rodovia Caratinga – Vale do Aço (MG), na pavimentação da rodovia Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) a Corumbá financiada pelo BID), no projeto da Chevron Corporation na Bacia petrolífera do Rio Kikori na Papua Nova Guiné, etc. Não se pode subestimar os desenvolvimentos da Ciência e da Tecnologia para equacionar muitos (mas nem todos) os problemas de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental (mitigação, precaução, compensação, reengenharia, etc.)

 

Considerando que:


a. a transição energética poderá durar até meio século antes que se possa dispensar o uso da energia do petróleo e do gás;

b. o Brasil precisa retomar um processo de crescimento econômico sustentado (contínuo e estável) e sustentável (prosperidade + justiça social + sustentabilidade);

c. há experiências nacionais e internacionais da arquitetura de grandes projetos de investimento (GPI), que permitem, em muitos contextos, conciliar eficiência econômica e sustentabilidade ambiental.


Baseando-se em novos avanços do conhecimento científico e tecnológico, propõe-se que:


1. haja elaboração de dois projetos integrados para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, um de conservação e preservação ambiental, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outro das atividades diretamente produtivas, elaborado pela PETROBRÁS, ambos financiados pela PETROBRÁS;

2. os dois projetos sejam concebidos como projetos de desenvolvimento sustentável segundo o trilema global ético (prosperidade-consumo de massa + justiça global + sustentabilidade ecológica);

3. a operacionalização dos projetos deve ter os seus cronogramas físicos e financeiros integrados com previsão de avanço simultâneo;

4. a supervisão do processo de implantação dos projetos deve ser realizada conjuntamente pelo MMA e a PETROBRÁS;

5. como na criação da CVRD em 1942, 8% do lucro líquido gerado pela PETROBRÁS na Margem Equatorial devem ser destinados a uma Reserva sob a gestão do MMA, com objetivo de apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia, inclusive projetos de diversificação da base econômica nas áreas de impactos diretos da exploração do petróleo e gás para evitar a formação de enclaves econômicos regionais;

6. o arcabouço dos dois projetos integrados deve ser concebido segundo os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU;

7. caso não haja consenso entre o MMA e a PETROBRÁS sobre a concepção e a implementação dos projetos, é recomendável pelo PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO que a exploração de petróleo na Margem Oriental seja postergada.

 

Referências:


Julia Lynch – The Regimes of Inequality: The Political Economy of Health and Wealth – Cambridge, 2020.

Paulo R. Haddad – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Narrativas para a Construção do Futuro. Caravana/e-Galáxia, 2023.

Paulo R. Haddad – Amazônia: Crise Social e Crise Ambiental, Caravana, e-Galáxia, 2023

Niall Ferguson – Doom: The Politics of Catastrophe, Penguin, 2021.

Michael Common and Sigrid Stagl – Ecological Economics. Cambridge University Press, Part III, Governance, 2005.

Jared Diamond, geógrafo e ornitólogo, Colapso – Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso. e-book Amazon, cap. 15

Ralf Eriksson and Jan Otto Anderson – Elements of Ecological Economics, Routledge, 2010.

PNUMA – TEEB: The Economics of Ecosystem and Biodiversity., Earthscan, 4 vol., 2010

P.R. Haddad – Economia Ecológica e Economia Integral. Amazon, Kindle, 2017.


* no livro The Road to Freedom: Economics and the Good Society, Josef E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, faz uma análise crítica do neoliberalismo e propõe um modelo de capitalismo progressista . Norton, 2024.

* ver Danielle Alencar Parentes Torres e Adriana Mesquita Corrêa Bueno. Breve Panorama da Bioeconomia no Brasil, EMBRAPA, 2022. Paulo R. Haddad – Amazônia: Crise Social e Crise Ambiental. Ed. Caravana/e-Galáxia, 2023

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