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A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA ECONÔMICA:ESTABILIZAÇÃO MONETÁRIA COM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


PAULO R. HADDAD


SUMÁRIO


Desde o início do atual mandato presidencial, o Governo Federal tem insistido em organizar a política econômica a partir do modelo de equilíbrio fiscal expansionista. Vale dizer: o objetivo principal é zerar o déficit público consolidado através das reformas previdenciária, tributária e administrativa na expectativa que se crie um ambiente macroeconômico favorável à retomada do crescimento da economia brasileira. Basicamente, essa é a proposta que vem prevalecendo, desde 2014, em diferentes administrações do Governo Federal.


Pode não dar certo. O diagnóstico sobre a formação histórica do déficit fiscal pode estar equivocado ou pelo menos incompleto,pois o déficit se tornou estrutural não porque o Governo gasta demais em atividades supérfluas que merecem ser contidas através de cortes, contingenciamentos ou postergadas. Ao contrário, os gastos públicos cresceram geometricamente para a construção de um processo de desenvolvimento sustentável tal como proposto na Constituição de 1988 (=crescimento econômico globalmente competitivo + distribuição social e regional dos frutos do crescimento com justiça + conservação, preservação e reabilitação dos ecossistemas).


A questão básica está no lado das receitas: como, desde 1980, o crescimento econômico do Brasil se desacelerou, tornando-se pífio nos 22 anos do atual século, a base econômica sobre a qual se formam as receitas tributárias encolheu, não acompanhando o crescimento geométrico das despesas planejadas pelas políticas públicas. Em resumo: a origem do déficit público não está “na gastança dos governantes”, mas na insuficiência de receitas tributárias, embora, a cada momento, a aritmética frívola facilita a sensação de que o governo gasta além do que arrecada.


Não se trata de forçar o aumento da carga tributária além de um limite razoável que colocaria a economia de joelhos. Mas de se estruturar um novo ciclo de expansão da economia brasileira: se a nossa economia mantivesse a taxa média de crescimento do PIB de 5% ano, que prevaleceu de 1900 a 1980, ao longo dos anos de 1980 a 2022, o nosso PIB poderia ter triplicado, o brasileiro teria atualmente um padrão de vida equivalente ao do espanhol ou do italiano, e o gasto atual do Governo Federal poderia também estar três vezes maior, financiado com a mesma carga tributária (32%).


Assim,a atual política econômica poderá ter sucesso no controle do processo inflacionário e erradicar os seus efeitos distributivos perversos, mas não na retomada do crescimento, pois essa política pode criar uma das condições para estimular as atividades de consumo e de investimento mas não para a construção de um ciclo de desenvolvimento sustentável no País. Neste caso, propõe-se que se articule o atual programa de política de austeridade fiscal com um programa de desenvolvimento sustentável, tendo como pedra angular o Terceiro Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira visando a dobrar a produção de alimentos para a Humanidade e desenvolvendo sem desmatar.



NÃO HÁ ALTERNATIVA?


Desde que Margareth Thatcher, há mais de três décadas, utilizou a expressão“não há nenhuma alternativa” (There is no alternative) para justificar a sua política de austeridade fiscal, visando a encolher o papel do Estado na economia através dos cortes dos gastos públicos, principalmente do Estado do Bem-estar (Welfare State) e de um programa de desregulamentação e de privatização, estruturou-se um modelo de política econômica que se espraiou mundo afora, sendo adotado com a recomendação e o apoio técnico do FMI e do Banco Mundial.


Entretanto, há inúmeros outros modelos de equilíbrio macroeconômico que poderiam ser utilizados como fundamento conceitual para a formulação e a implementação da política econômica de um país.


Por exemplo, numa série de palestras realizadas em Lund (Suécia), em 1988, o Prof. Edmund S. Phelps, Prêmio Nobel de Economia em 2006 pelo seu trabalho na análise e avaliação das diferentes políticas econômicas, apresentou sete Escolas de Pensamento Econômico que poderiam servir como base para a construção de uma política econômica: a Escola Keynesiana de macroeconomia, a Escola Monetarista, a Escola Neoclássica, a Escola Neokeynesiana, a Economia pelo lado da oferta, a teoria do ciclo econômico real e a Escola Estruturalista que vê mudanças no desempregocomo resultado das características da economia.


No ano passado, três intelectuais (Baccaro, Blyth e Pontusson) apresentaram diferentes modelos que resultaram da macroeconomia pós-Keynesiana no contexto de análise das diferentes experiências do capitalismo após a queda do Muro de Berlim (neoliberalismo, Keynesianismo social, etc.). As variedades dessas experiências foram se configurando segundo as características político-ideológicas de cada país, considerando os sucessos e os fracassos dos pós-Keynesianos e do novo monetarismo. A conclusão geral que se pode tirar dessas análises e experiências das políticas econômicas, após a Grande Recessão Mundial de 2008, é a de que essas políticas devem ser formuladas e implementadas no contexto histórico de cada país. Não podem ser tratadas como se fossem uma receita de bolo que se apresenta na televisão,a qual pode ser aplicada indiferentemente na Inglaterra de Margareth Thatcher ou na Grécia de YanisVaroufakis.


Como afirmava o sociólogo Guerreiro Ramos, toda a análise e avaliação de um modelo e de uma teoria tem que partir de uma redução sociológica, de uma premissa da perspectiva segundo a qual o objeto de estudo não pode estar desligado de seu contexto.


É o caso do Brasil que tem construído a sua política econômica de curto prazo segundo as regras do modelo de equilíbrio fiscal expansionista em cima de um diagnóstico equivocado sobre a formação do déficit público e de uma doutrina econômica sobre o papel do estado na economia inconsistente com a Constituição de 1988. Como se sabe, diagnósticos equivocados podem gerar políticas públicas equivocadas.


O MOSAICO POLÍTICO-IDEOLÓGICO DA ESTRUTURA DOS GASTOS PÚBLICOS


Em 1926, Keynes escreveu um artigo prevendo o fracasso da experiência socialista da União Soviética e o fim do regime liberal ortodoxo do laissez-faire, afirmando que as variedades das experiências do capitalismo iriam se diferenciar, principalmente quanto ao grau de socialização das economias de mercado. De forma simplificada, destacava o que seria função pública e o que seria função privada no sistema econômico, ou seja, o grau de intervenção do Estado na economia em cada tipo de capitalismo, o que poderia se realizar através de intervenção direta (gastos públicos, impostos taxas) ou de intervenção indireta (regulamentações, política fiscal e financeira, etc.).


Os regimes econômicos podem se diferenciar quanto a três dimensões básicas, mesmo quando são classificados como capitalistas ou economias de mercado. A primeira dimensão se refere aos mecanismos e aos instrumentos de redução das desigualdades sociais e da redução da pobreza e da miséria. Alguns regimes econômicos se preocupam apenas em lidar com os problemas sociais dos idosos, dos incapazes e dos deficientes físicos, deixando que os estímulos e a dinâmica dos mercados promovam autonomamente uma distribuição mais equânime da renda e da riqueza nacional no longo prazo. Outros formulam e executam poderosas e abrangentes políticas sociais compensatórias que acabam absorvendo parcelas expressivas dos recursos fiscais e financeiros dos governos.


A segunda dimensão está relacionada com as falhas de mercado, como a formação de monopólios, a exploração predatória dos ecossistemas, os elevados custos sociais e ambientais das atividades empresariais, a insaciável especulação financeira, etc. Há regimes que são mais tolerantes com essas falhas no funcionamento dos mercados, mas muitos há que impõem estruturas regulatórias para o exercício do comando e controle da economia visando a preservar a qualidade dos bens e serviços, a conservar o meio ambiente, a garantir a defesa do consumidor, etc.


A terceira dimensão se refere as quais responsabilidades os governos devem assumir sobre a instabilidade dos ciclos econômicos e seus impactos perversos sobre os níveis de desemprego. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (o Banco Central Norte-Americano) conduz a política monetária com um olho na inflação e outro na manutenção do pleno emprego na economia. Por outro lado, alguns países concentram os seus instrumentos de política econômica apenas na perseguição das metas inflacionárias, utilizando preferencialmente poucas regras discricionárias para evitar intervenções mais frequentes e erráticas nos mercados.


A experiência histórica mostra muitos casos de sucesso de economias nacionais capitalistas, com forte intervenção governamental, que crescem com estabilidade, distribuindo equitativamente os frutos do crescimento entre os diversos grupos e classes sociais. As escolhas entre os diferentes paradigmas de desenvolvimento resultam de fatores históricos, políticos e culturais específicos em cada país.


No caso brasileiro, o Governo Federal, ao longo das décadas que se sucederam à II Grande Guerra, foi elaborando um conjunto de objetivos e alternativas de intervenção governamental, coordenadas através de mecanismos de planejamento indicativo que articulavam planos e mercados sem caracterizar um modelo de comando e controle das economias centralmente planificadas. Essas alternativas de intervenção direta e indireta foram consolidadas na Constituição de 1988, a qual foi elaborada através da intensa participação dos segmentos organizados da sociedade civil, contendo o Artigo 225 sobre o Meio Ambiente, o Artigo 165 sobre as iniciativas de planejamento, os direitos sociais no Artigo 6º, etc., os quais em conjunto constituem um modelo de desenvolvimento sustentável semelhante àqueles apresentados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.


Era de se esperar que, após a promulgação da Constituição de 1988, houvesse a emergência de inúmeras políticas públicas (ambiental, social, regional, industrial), as quais, com os seus novos programas, projetos e atividades, viessem a pressionar os gastos públicos com a legitimidade da construção de uma sociedade com suas metas e objetivos democraticamente definidos em termos de crescimento globalmente competitivo, com equidade social e sustentabilidade ambiental. Enfim, a atual estrutura de gastos públicos do Governo Federal, com raras exceções, não são resultados de um voluntarismo inconsequente, da mobilização de lobbies empresariais ou de decisões ad hoc. Refletem as aspirações de uma sociedade organizada que deseja melhores condições de vida e menores desigualdades e assimetrias sociais no tempo e no espaço.

Cada tipo de gasto público no Orçamento Geral da União é suportado politicamente por algum grupo social, regional, empresarial e, portanto, apresenta elevado grau de inflexibilidade para baixo (cortes sem conflitos).

A nossa história mostra que os problemas sociais e econômicos podem ser mais bem resolvidos quando o País está crescendo - e crescendo de forma sustentada. Quando a economia cresce, dependendo do modelo de desenvolvimento adotado, é relativamente mais fácil utilizar o excedente econômico em expansão para financiar adequadamente as inovações tecnológicas, as micro e pequenas empresas, uma nova geração de empreendedores, o desenvolvimento de regiões e áreas economicamente deprimidas, etc. Torna-se mais fácil também ampliar e consolidar as transferências de renda das políticas sociais compensatórias para os pobres e os miseráveis. Vale dizer, viabiliza-se um modelo de crescimento, com distribuição e inclusão social. O excedente econômico pode igualmente viabilizar o funcionamento das políticas públicas ambientais de preservação, de conservação e de reabilitação de nossos ecossistemas. Enfim, o Brasil precisa voltar a crescer a partir de um novo ciclo de expansão. Se permanecer restrito a cuidar do equilíbrio fiscal, mesmo com a negociação das reformas político-institucional, o País ficará esperando o trem do crescimento que não vem, provavelmente porque deve estar fora dos trilhos, uma espera que pode absorver todo o tempo de um mandato.


No caso específico de articulação da política de curto prazo de estabilização monetária com uma política de longo prazo de desenvolvimento sustentável, a ampliação da base tributável da economia permitirá, no médio prazo, fechar o hiato do desemprego entre o crescimento geométrico dos gastos públicos pós-Constituição de 1988 e o lento crescimento das fontes de recursos à disposição dos três níveis de governo.


A história da economia brasileira no século 20 foi, predominantemente, uma história de crescimento econômico acelerado. De 1948 a 1980,houvetrinta e três anos de crescimento do PIB a uma taxa média de 7,5 por cento ao ano. Contudo, iniciamos a segunda década do século 21 com o crescimento interrompido, acumulando vinte anos perdidos em termos do desenvolvimento do nosso País. O Brasil tornou-se um país de baixo crescimento econômico, com suas mazelas sociais e políticas.


UM NOVO CICLO DE EXPANSÃO E A BASE TRIBUTÁVEL


Uma ideia-força que apresenta as características de ser cientificamente consistente, operacionalmente exequível e historicamente realista, é a de transformar o Brasil no maior produtor de alimentos do Mundo. Trata-se de uma estratégia que pressupõe um novo ciclo de inovações científicas e tecnológicas na fronteira dinâmica do País, assim como uma nova estratégia de logística de transporte e de comunicação, incluindo o acesso direto aos crescentes mercados consumidores do Pacífico. Dada a escala necessária dos investimentos públicos e privados para a construção sociopolítica do novo ciclo de expansão, será indispensável a cooperação técnica e financeira de um país como a China em um modelo semelhante ao que viabilizou o Projeto Carajás, nos anos de 1970, com a cooperação do Japão ou do PRODECER (Programa de Desenvolvimento do Cerrado), também com a cooperação técnica e financeira do Japão.


Atualmente, o agronegócio é o setor produtivo mais importante da economia brasileira e tem evitado que a recessão, iniciada em 2014, se transforme em depressão econômica. É o carro-chefe de poderosas cadeias produtivas e de valor que envolvem, direta e indiretamente, inúmeros setores produtivos, com impactos que se espraiam para a indústria química, a indústria de bens de capital, os setores de tecnologia e informação, o setor de transporte, etc. Contribui para intensa redução do custo da cesta básica, que beneficiou, principalmente, os grupos sociais de baixa renda, para os quais o peso das despesas com alimentos é maior. Utiliza diferentes sistemas de produção nas diversas regiões do País, desde as grandes plantações até a agricultura familiar. O agronegócio não precisa desmatar para se expandir. Segundo pesquisadores da EMBRAPA, se conseguíssemos transferir 50% da tecnologia sustentável para a agricultura, seria possível dobrar a produção de alimentos sem abrir novas áreas e sem abater uma única árvore sequer. A moderna agropecuária do agronegócio e da agricultura familiar produz com menor intensidade de terra, consome menos água por tonelagem de produção irrigada, recicla os resíduos e os dejetos das atividades produtivas, além de conservar, preservar e reabilitar os ativos ambientais como patrimônio natural em suas propriedades privadas.


A política econômica que está sendo construída pelo Governo é absolutamente indispensável para o controle da inflação e a formação de um ambiente de negócios favorável à expansão do consumo e do investimento no País. Essa política é capaz de reduzir drasticamente as taxas inflacionárias que, ao fim e a cabo, acabam sendo um imposto que incide sobre a renda dos grupos de baixa renda, os mais pobres e miseráveis. É capaz também de promover o equilíbrio macroeconômico e evitar a desorganização da economia de mercado como tem ocorrido na Argentina.

Contudo, essa política embora possa contribuir para criar as condições necessárias para a retomada do crescimento através do tripé de reformas político-institucionais (tributária, previdenciária, administrativa) não é suficiente para criar um ciclo de expansão da economia. Esse ciclo é indispensável, inclusive para equacionar o déficit fiscal de forma consistente e resiliente. O déficit fiscal veio se estruturando desde os anos 1990, quando cresceram geometricamente as despesas públicas para financiar as políticas, programas e projetos arquitetados na Constituição de 1988 e legitimadas por um processo democrático de consulta popular e, ao mesmo tempo, crescia mais lentamente a base tributável por causa da lenta expansão da economia brasileira desde os anos 1980, mesmo considerando o crescimento espasmódico durante os anos pós-Plano Real, os anos do boom das commodities e o renivelamento da demanda agregada pós-pandemia da Covid 19.

Entretanto, enquanto persistir o hiato estrutural entre despesas e receitas nos orçamentos dos três níveis de governo, não há de fato outra alternativa a não ser a de reprogramar o OGU através das práticas de cortes de despesas e de contingenciamentos, o que poderia ocorrer ao longo de todo o mandato, a não ser que se organize e se implemente um programa de desenvolvimento sustentável.

Um programa de desenvolvimento sustentável que, no atual momento de nossa história, aparece como exequível operacionalmente é o de transformar o Brasil no maior produtor de alimentos (saudáveis, sustentáveis, resistentes às mudanças climáticas) do Mundo, a partir das inovações científicas e tecnológicas do Terceiro Salto da Agropecuária Brasileira, um projeto do valor de legado do Ministro e Professor Alysson Paolinelli quando diretor do Instituto Fórum do Futuro.

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