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DE ONDE VIRÁ A RETOMADA DO CRESCIMENTO NO SÉCULO 21?


Paulo R. Haddad


De 2002 a 2022, a taxa média de crescimento do PIB no Brasil foi de apenas 2,2%. Quando se leva em conta que a taxa média geométrica de crescimento da população residente por ano está em torno de 1,67%, fica claro que é insignificante o aumento da quantidade de bens e serviços finais produzidos que a economia semi-estagnada colocou à disposição do bem-estar social sustentável dos brasileiros no século 21.


Desde os anos 1990, ocorreram, de fato, alguns anos não sequenciais em que a taxa de crescimento girou em torno de 5% ao ano: no fim do imposto inflacionário com a recomposição do poder de compra da massa salarial a partir do bem sucedido Plano Real; com o boom dos preços das commodities na economia globalizada no período da pré-crise mundial de 2008; com o renivelamento do emprego e da renda após a crise econômica da pandemia da Covid-19quando, em 2020, a taxa de crescimento foi negativa (-3,3%) para se recuperar nos dois anos seguintes. Foram, pois, espasmos de crescimento e não ciclos de expansão sustentada da economia.


As economias capitalistas ocidentais têm duas características básicas. De um lado, sofrem flutuações cíclicas persistentes, numa sequência quase interminável de elevações e quedas nas taxas de crescimento dos níveis de produção de curto prazo. E essas flutuações ao longo do ciclo econômico são tão mais intensas quanto maior for o grau de incertezas prevalecentes nas economias, como tem acontecido no Brasil ao longo das últimas décadas. Essas incertezas desestimulam as decisões que envolvem compromissos que se realizam no futuro, inibindo novos investimentos e levando as famílias à preferência pela liquidez.


Do outro lado, esses ciclos ocorrem no contexto de uma tendência marcante de crescimento econômico no longo prazo, o qual é quase sempre lento mas recorrente. E esse crescimento tem se acelerado nas últimas décadas em muitas economias de mercado. Por exemplo: estudos recentes de história econômica mostram que o total de bens e serviços produzidos anualmente na ilha de Taiwan passou a superar, a partir dos anos 1990, o total obtido no auge do Império Britânico, em torno de 1914, onde se dizia que “o sol nunca se punha”.


Entre os anos de 1950 e 1980, ocorreram dois ciclos de expansão sustentada na economia brasileira, conhecidos como “o ciclo dos anos JK” e “o ciclo do milagre econômico” durante os anos 1970. Esses ciclos garantiram elevadas taxas anuais de crescimento para o PIB durante quase três décadas, semelhantes às que se observam atualmente na China: de 1950 a 1980, a economia brasileira cresceu em torno de 7% ao ano, um valor que ainda tem sido questionado do ponto de vista técnico.


Há uma taxa mínima de crescimento da economia brasileira que é indispensável para que sejam atingidos três objetivos, simultânea e complementarmente. O primeiro objetivo é manter um ritmo adequado do nível de emprego de qualidade e estável, capaz de acomodar quase dois milhões de brasileiros que se mobilizam e se reposicionam anualmente nos diferentes mercados de trabalho. O segundo objetivo é gerar um excedente econômico, de maior magnitude e recorrência, de investimentos crescentes para a recuperação e a modernização de nossa infraestrutura econômica e social, e que permita financiar as necessidades crescentes das políticas sociais compensatórias visando a atenuar os índices de pobreza e de miséria social, e eventuais tensões sociais e políticas em nosso País. Finalmente, essa taxa tem a função de manter acesa a chama do que Keynes denominava “o espírito animal” dos nossos empreendedores efetivos ou potenciais, além de uma expectativa recorrente de confiança no nosso progresso econômico e social.


Como, pois, será possível atingir essa meta necessária de crescimento no século 21? Em primeiro lugar, é preciso desmitificar a tese de que, realizado o ajuste fiscal, o crescimento econômico virá por acréscimo. O ajuste é uma condição necessária para restabelecer a confiança dos agentes econômicos e mobilizar as energias e as expectativas de consumidores e empreendedores numa trajetória de crescimento. O ciclo de crescimento econômico sustentado é mais difícil em qualquer economia de mercado onde as finanças públicas estejam estruturalmente desequilibradas, as ações das políticas públicas sejam indutoras de incertezas e as estruturas regulatórias estejam impregnadas de riscos jurisdicionais. Por outro lado, a austeridade fiscal por si só coloca um profundo estresse no sistema político, perturba direitos sociais adquiridos e constitui fator de instabilidades e de tensões no curto prazo, num processo de helenização da economia passando a ser parte do problema.


Robert Skildesky, premiado professor inglês que escreveu três volumes magníficos sobre a biografia de Keynes, analisou recentemente a macroeconomia das relações entre moeda e governo, desafiando a sabedoria convencional sobre essa questão. Ao analisar as relações entre as políticas de curto prazo de ajuste fiscal e as políticas de crescimento no longo prazo, comenta: “percebe-se que a insistência na necessidade de apertos e sofrimentos no curto prazo (isto é, austeridade) em benefício dos ganhos de crescimento no longo prazo, quando o curto prazo pode durar décadas e o longo prazo nunca ocorrer, atesta um refinado sadismo intelectual”.


Pois bem, desde 2014 estamos tendo como fundamento conceitual da nossa política econômica o modelo de equilíbrio fiscal expansionista que tem em seu DNA ideológico um posicionamento sobre os limites da intervenção do Estado na economia (“O governo é o problema, não a solução”). As autoridades econômicas acreditam que as forças de mercado desacorrentadas das regulamentações burocráticas e da presença leviatânica do Estado na formação de preços de produtos e de fatores de produção são o melhor regime para a economia brasileira, e que as soluções dos problemas de estrutura (desigualdades sociais e regionais de desenvolvimento, modernização da estrutura industrial do país, preservação, conservação e reabilitação dos ecossistemas, etc.) ficariam condicionados pelas soluções dos problemas de conjuntura (rigoroso ajuste fiscal e financeiro acompanhado de reformas político-institucionais do Estado). O modelo de equilíbrio fiscal expansionista é, pois, filho bastardo do neoliberalismo.


Necessitamos, pois, de um modelo de ajustes na macroeconomia do País, integrado a um modelo de desenvolvimento. Ou seja, equacionamento das questões de conjuntura no curto prazo integrado ao equacionamento das questões estruturais de desenvolvimento sustentável do País. Tal como, em 1965, Roberto Campos e Gouveia de Bulhões combinaram com sucesso um programa de estabilização com um plano decenal de desenvolvimento induzindo o ciclo de expansão do “milagre econômico”.


É bastante improvável que um novo ciclo de expansão da economia brasileira (o terceiro no pós-II Grande Guerra) tenha origem no crescimento do consumo interno pois não se pode esperar o crescimento autônomo da massa salarial (wage led) ou do endividamento (debt led) pois é prudente que ainda se mantenha a taxa de juros real elevada enquanto persistir o risco inflacionário proveniente de custos (alimentos, energia) ou de demanda superaquecida. Assim, o componente da demanda agregada mais promissor para a retomada do crescimento sustentado no século 21 está nas exportações de um setor produtivo em que o País seja dinamicamente competitivo e a demanda crescente geometricamente pelo que produz.


Para se construir um novo ciclo de expansão da economia brasileira, uma ideia-força que apresenta as características de ser cientificamente consistente, operacionalmente exequível e historicamente realista, é ade transformar o Brasil no maior produtor de alimentos (proteína vegetal e proteína animal) do Mundo. Trata-se de uma estratégia que pressupõe um novo ciclo de inovações cientificas e tecnológicas na fronteira dinâmica do País, assim como uma nova estratégia de transporte e de comunicação, incluindo o acesso direto aos crescentes mercados consumidores do Pacífico (Eixo Centro-Norte com saída pelo Peru e o Eixo Sul-Sudeste com saída pelo Chile). Dada a escala necessária dos investimentos públicos e privados para a construção sociopolítica do novo ciclo de expansão, será indispensável a cooperação técnica e financeira de um país como a China ou o Japão, em um modelo organizacional semelhante ao que viabilizou o Projeto Carajás, nos anos de 1970, com a cooperação do Japão.


Atualmente, o agronegócio é o setor produtivo mais importante da economia brasileira e tem evitado que o quadro recessivo, iniciado em 2014, se transforme em depressão econômica. É o carro-chefe de poderosas cadeias produtivas e de valor que envolvem, direta e indiretamente, inúmeros setores produtivos, com impactos que se espraiam para a indústria química, a indústria de bens de capital, os setores de tecnologia e informação, o setor de transporte, etc. Contribui para intensa redução do custo da cesta básica, que beneficiou, principalmente, os grupos sociais de baixa renda, para os quais o peso das despesas com alimentos é maior. Utiliza diferentes sistemas de produção nas diversas regiões do País, desde as grandes plantações até a agricultura familiar, com elevado nível de competitividade sistêmica.


O agronegócio não precisa desmatar para se expandir. Segundo pesquisadores da EMBRAPA, se conseguíssemos transferir 50% da tecnologia sustentável para a agricultura, seria possível dobrar a produção de alimentos sem abrir novas áreas e sem abater uma única árvore sequer. A moderna agropecuária do agronegócio e da agricultura familiar produz com menor intensidade de terra, consome menos água por tonelagem de produção irrigada, recicla os resíduos e os dejetos das atividades produtivas, além de conservar, preservar e reabilitar os ativos ambientais como patrimônio natural em suas propriedades privadas.


Um ciclo de expansão como base para promover a Grande Transformação do Brasil no maior produtor mundial de alimentos faz todo sentido histórico do ponto de vista econômico. O agronegócio brasileiro dispõe de pelo menos três das pré-condições para alavancar um novo ciclo de crescimento de longo prazo:


a) o Terceiro Salto da Agropecuária Brasileira, que vem se estruturando nos últimos anos sob a liderança do saudoso Ministro e Professor Alysson Paolinelli, se baseia nas cinco inovações schumpeterianas: a introdução de um novo bem (alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas) ou de uma nova qualidade de um bem (estratégias empresariais de diferenciação de produtos); a introdução de um novo método de produção (agricultura de precisão, agropecuária de baixo carbono, etc.); abertura de um novo mercado (Sudeste Asiático, com a redução dos custos de acessibilidade); estabelecimento de uma nova fonte de matérias-primas ou de bens semimanufaturados (adensamento das cadeias produtivas de produtos passíveis de elevada replicabilidade); estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria (o modelo organizacional de clusters produtivos, com empresa-âncora, que permite a integração dos interesses da grande empresa com a pequena produção familiar).


b) o moderno processo de desenvolvimento sustentável pressupõe que o País já dispõe de níveis adequados de capitais intangíveis (capital institucional, capital humano, capital sinergético, capital intelectual, etc.), o que é a condição necessária para que se promova um ciclo de expansão intensivo de ciência e tecnologia, a partir de um modelo de desenvolvimento endógeno dentro do estilo de planejamento participativo;


c) a promoção econômica da produção de alimentos dentro dos padrões científicos e tecnológicos modernos tema intensidade, o sequenciamento e a cadência de acumulação de capitais tangíveis e intangíveis necessários para o espraiamento em poderosas cadeias de valor (mínero-metalúrgico-mecânica, fármaco-químico, tecnologia de informação e conhecimento, etc.) e em regiões tradicionais de base econômica agropecuária consolidadas no Sul e no Sudeste ou nas regiões da fronteira dinâmica (Balsas no Maranhão, Oeste da Bahia, Sul de Rondônia, Gurguéia no Piauí, Centro-Norte do Mato Grosso, etc.).


d) A construção de um novo ciclo de expansão é fundamental quando a sociedade empobrece e a economia se encontra interrompida. É uma missão de governo que envolve visão de estadista, inteligência emocional, paciência administrativa, confiança e esperança no futuro. Como diz a música dos Titãs: “Quando não houver saída / Quando não houver mais solução / Ainda há de haver saída / Nenhuma ideia vale uma vida”.





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