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UM CONTO DE BELÉM: PSSICA E O OUTRO LADO DO PALCO DA COP-30


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Paulo R. Haddad, da 

Academia Mineira de Letras


BELO HORIZONTE AGOSTO DE 2025




“Eu confesso que não me sinto encantado com o ideal de vida mantido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é o de batalhar para seguir em frente; que o atropelo, a pressão e a opressão sobre os outros, que formam a existência típica da vida social, sejam o mais desejável escopo dos seres humanos ou não mais que sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso industrial... o esforço humano deveria destinar-se para a busca do progresso social e moral e do acréscimo do lazer, e não para a disputa competitiva pela riqueza material”.


John Stuart Mill (1848), 

durante a crise social na Inglaterra 

provocada pela Revolução Industrial.



Não me convidaram

Pra essa festa pobre

Que os homens armaram pra me convencer

A pagar sem ver

Toda essa droga

Que já vem malhada antes de eu nascer


Não me ofereceram

Nem um cigarro

Fiquei na porta estacionando os carros

Não me elegeram

Chefe de nada

O meu cartão de crédito é uma navalha


Música de Cazuza, Nilo Romero e George Israel (1988)



UM CONTO DE BELÉM: PSSICA E O OUTRO LADO DO PALCO DA COP-30


Com a aproximação do início da COP-30, os meios de comunicação têm realizado diversas críticas à escolha de Belém para sediar esse evento,tendo em vista o descompasso entre a disponibilidade de infraestrutura econômica e social da cidade e a chegada de milhares e milhares de participantes concentrados em um curto período de tempo. Tenho certeza de que os problemas mais críticos desse descompasso serão equacionados a tempo e a hora pela capacidade empreendedora do povo do Estado do Pará e, caso o sucesso da COP-30 não ocorra,  terá sido porque os seus objetivos não serão atingidos, no futuro, se os países participantes (como tem ocorrido nas COPs anteriores) não assumirem compromissos para serem efetivamente implementados quanto às políticas, programas e projetos definidos visando a promover mudanças climáticas.


Na verdade, quando o Presidente Lula selecionou Belém para sediar a COP-30 não esperava que os participantes viessem apenas para confrontar as suas ideias e propostas sobre o que fazer e como fazer para mitigar os efeitos do aquecimento global. A sua expectativa era a de que as lideranças políticas, intelectuais e comunitárias do Planeta viessem, também, para conhecer de perto os problemas socioeconômicos e socioambientais da Amazônia e ver como as economias avançadas poderiam contribuir para o seu equacionamento no médio prazo. 


E no processo desse equacionamento irão reconhecer a dramaticidade da tese predominante da Encíclica Laudato Sí` do Papa Francisco (2015), segundo a qual a crise social e a crise ambiental são processos históricos revolucionários e que: 


“Os efeitos mais graves de todos os ataques ao meio ambiente são sofridos pelos pobres... temos de ter consciência de que uma abordagem social deve integrar as questões de justiça nos debates sobre meio ambiente, de tal forma a ouvir ambos o grito da terra e o grito dos pobres”. 


Papa Francisco (2015) – LAUDATO SI`


BRASIL: DA RIO-92 À COP-30


Quem observa os persistentes índices de desmatamento da Amazônia, as recorrentes perdas de qualidade de nossos recursos hídricos ou a crescente poluição do ar em nossas metrópoles, fica com a sensação de que pouco se fez em matéria de políticas ambientais no Brasil, desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Ledo engano, principalmente quando se compara a evolução da concepção e da implementação dessas políticas em três décadas no Brasil com a experiência centenária equivalente dos EE.UU. e de alguns países da União Europeia, países que detêm a mais ampla e sistemática política de proteção ambiental ao longo do século 20. 


Os principais avanços ocorreram no campo das novas legislações ambientais (Lei dos Crimes Ambientais, Lei das Águas, Lei da Reciclagem de Resíduos Sólidos, etc.), na estruturação das organizações não governamentais, na mobilização da opinião pública pelos meios de comunicação, na qualidade técnica de pesquisas e estudos especializados, nas inovações tecnológicas da bioenergia, etc. A realização da COP-30 pode ser uma grande oportunidade para que se mostrem os progressos dessas realizações, sem ufanismo mas com convicção política, considerando a nossa liderança mundial nas mudanças da matriz energética com a produção de energia limpa.


Na verdade, os processos de degradação dos nossos ecossistemas têm sido tão graves ao longo da história do País que a recuperação, a preservação e a conservação desses ecossistemas exigem uma intensidade, uma cadência e um sequenciamento das políticas ambientais que escapam à capacidade atual dos nossos governos e dos segmentos organizados da nossa sociedade civil em equacioná-los e geri-los adequadamente. São políticas que, por sua própria natureza, envolvem intensos conflitos ideológicos, econômicos e sociais entre diferentes setores, regiões e grupos sociais. São políticas que sempre serão concebidas e executadas em regime de permanente tensão com lideranças empresariais que têm os pés no século 21 mas a cabeça nos anos 1970, como é o caso, por exemplo, das discussões sobre a nova Legislação Ambiental, tudo isso ocorrendo em um país que passa por uma crise fiscal nos três níveis de governo.


Há muitos programas e projetos de desenvolvimento sustentável bem formulados em bases científicas que, entretanto, carecem de recursos materiais, humanos e institucionais em intensidade suficiente para torná-los eficazes. Pouco adianta conceber ações estratégicas, se, no processo de sua implementação, são atribuídas, às instituições que as executam, recursos parcimoniosos, restritos, incertos e contingenciáveis. Não conseguem acumular sinergia administrativa suficiente para superar as ineficiências e as inércias das burocracias tradicionais. Usualmente, o processo de desenvolvimento sustentável de um setor ou de uma região têm objetivos múltiplos, multi-institucionais e multissetoriais, que colocam a questão das mazelas e dos efeitos inesperados resultantes de erros de transversalidade no sequenciamento das ações programadas*.


Embora muito tenha sido feito, há ainda muito mais a fazer: o fortalecimento do status político e orçamentário do Ministério do Meio Ambiente; a introdução de instrumentos econômicos lado a lado com os mecanismos de comando e controle nas políticas públicas; ecologizar ideologicamente os órgãos da administração pública direta e indireta; melhoria da qualidade técnica dos EIAs e dos RIMAs dos projetos de investimento, o fortalecimento da capacidade institucional de implementação das políticas; a conscientização política da opinião pública nacional quanto às questões ambientais do País; maior respeito às ações das organizações não governamentais dos movimentos sociais; etc.


Na verdade, a questão maior das políticas públicas ambientais no Brasil é a imensa dificuldade que, internamente, o Governo Federal tem para gerar consenso sobre o conteúdo, a profundidade e a persistência dessas políticas em sua base aliada no Congresso. Enquanto oscila entre preservar, conservar e o manejo sustentável dos recursos ambientais de um lado, e questionar a validade da intensidade, do sequenciamento e do cadenciamento dessas políticas do outro lado, enfraquece-se o status político da gestão das ações ambientais e permite-se o avanço da ação antrópica predatória sobre os recursos ambientais. 


A Amazônia é o mais amplo e multifacetado ecossistema brasileiro que presta serviços ambientais para o bem-estar social sustentável de toda a Humanidade. A Região vem sendo objeto de um processo de degradação desde o Período Colonial, passando pelo Império e pela Primeira República, e que se acelerou a partir de 1970, durante o ciclo dos grandes projetos de investimentos diretamente produtivos e de infraestrutura econômica. A Amazônia perdeu mais de 20 por cento da floresta prístina e a partir das mudanças climáticas, assiste-se ao risco de sua ruptura ecossistêmica através de um processo de savanização da Região. Se não houver uma reversão nas práticas da pirataria ambiental, que tratam o meio ambiente como se fosse um almoxarifado de recursos naturais a serem pilhados, as futuras gerações assistirão ao colapso do ecossistema da Amazônia em um futuro não muito distante. Esse período pode encurtar se houver um processo de enfraquecimento das instituições públicas responsáveis pela fiscalização das estruturas regulatórias (normas, decretos leis) de comando e controle do Governo Federal, responsável pelo Patrimônio Nacional, principalmente se houver, entre as autoridades do Poder Público, um processo de negacionismo conceitual e de políticas de “porteiras abertas” para a biopirataria.


BELÉM: UMA SOCIEDADE DIVIDIDA.


Para que os participantes da COP-30 não tenham a ilusão de que estarão reunidos numa metrópole próspera, com infraestrutura renovada da região com maior biodiversidade do Planeta, é preciso que a dualidade básica socioambiental e socioeconômica da Área Metropolitana de Belém seja devidamente ilustrada como uma imagem da dualidade de toda a Amazônia, que está a necessitar de diferentes formas de financiamento e de cooperação técnica para a promoção de um processo de desenvolvimento sustentável.


Dado o curto período de permanência das delegações em Belém, a exposição dessa realidade pode se realizar de duas formas: a apresentação, durante a COP-30, de um conjunto de indicadores para a Amazônia relativos aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e,também, através de acervo cultural de livros, crônicas e produções cinematográficas que relatam o outro lado do palco da COP -.30.


O Mapa da Desigualdade, elaborado em 2024 pelo Instituto Cidades Sustentáveis(ICS),revelou que Belém do Pará é considerada uma das Capitais mais favelizadas do Brasil e, de 26 posições, se encontra na 24ª posição no desempenho geral das capitais, ficando à frente apenas de Recife e Porto Velho.


O estudo mediu um conjunto de 40 indicadores sociais, entre eles saúde, educação, infraestrutura urbana e vários outros que dizem respeito ao cotidiano das pessoas e apontou que as capitais da região Norte e Nordeste, especialmente Belém, estão entre os piores índices do País, de um país que ainda é apenas de renda intermediária.


De acordo com o estudo, Belém tem 55,5% de domicílios em áreas de favela. Outros fatores, analisados separadamente, como esgotamento sanitário, PIB per capita e investimento público em infraestrutura também contribuem para a posição do município estar abaixo da média, em geral entre 22º e 26º lugar entre as capitais.


Os principais desafios ambientais de Belém do Pará incluem urbanização desordenada, que causa desmatamento e ocupação de áreas sensíveis como várzeas, descarte inadequado de lixo e entulho, resultando em produção e problemas de saúde pública, e os efeitos das mudanças climáticas, como ilhas de calor e risco de inundações e erosão costeira. A cidade também enfrenta a falta de saneamento básico, a contaminação do ar e da água, e a necessidade de adaptação a eventos climáticos externos.


Vale dizer, além de um melhor conhecimento sobre os valores culturais dos Povos da Floresta e sobre as potencialidades de desenvolvimento sustentável da Região, é preciso também que se conheça como, na Amazônia, a crise ambiental e a crise social precisam ser equacionadas de forma co evolucionárias. Assim, uma forma mais dinâmica e flexível da apropriação desse conhecimento é assistir à excelente minissérie brasileira denominada PSSICA (gíria paraense que significa maldição) em quatro episódios.


PSSICA é baseada na obra literária de Edyr Augusto Proença, com direção de Quico Meirelles e um episódio comandado por Fernando Meirelles Retrata com realismo trágico e notável padrão cinematográfico, principalmente, o que ocorre com a juventude paraense no contexto da crise social na Amazônia*.


UMA EXPERIÊNCIA DE PLANEJAMENTO PARA NEGOCIAÇÃO: a Promoção das MPMEs da Amazônia.


Durante os quarenta anos de consultoria em programas e projetos de desenvolvimento nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal, tive a oportunidade de constatar que: 


1. É imenso o potencial de crescimento econômico da Amazônia através de projetos de Bioeconomia,os quais podem produzir com a Floresta em pé nos seguintes segmentos: fitoterápicos, madeireiro, piscicultura, floricultura, fruticultura, nutricêuticos/complementos alimentares, microbiologia industrial etc. (cf. UFAM); muito desse potencial já se encontra realizado e tantos outros em nível de pré-viabilidade em busca de parcerias e financiamentos


2. Enquanto não se criar um campo de oportunidades de emprego formal e de renda sustentada para a força de trabalho regional, através de projetos de investimentos diretamente produtivos e sustentáveis, a abundância de recursos naturais renováveis e não renováveis somada ao excedente de mão de obra não qualificada, torna a Amazônia o espaço ideal de acesso livre para a exploração predatória do desmatamento, do garimpo ilegal, da destruição da biodiversidade, etc.;


3. As políticas sociais compensatórias que ampliam a renda domiciliar per capita na Região são insuficientes para atender às necessidades básicas da população (com cerca de 50% vivendo na pobreza segundo os critérios do Banco Mundial), não apenas insuficientes do ponto de vista financeiro, mas como diz Hyman P. Minsky* ao avaliar as políticas sociais do New Deal: “Justiça social se baseia na dignidade individual e na independência dos centros de poder público e privado.Dignidade e independência são melhor atendidas por uma ordem econômica na qual a renda é recebida ou por direito ou através de uma troca justa. A compensação pelo trabalho desempenhado deveria ser a maior fonte de renda para todos. Dependência permanente em sistemas crescentes de transferências de pagamentos que não foram ganhos é degradante para quem recebe e destrutiva do tecido social”.


Ressalvada a importância das políticas sociais necessárias para idosos e deficientes físicos,Minsky propõe a justiça social e a liberdade individual  através de intervenções para criar uma economia de oportunidades para quem deseja realizar os seus sonhos profissionais.


O que fazer quando há um grande número de projetos de investimentos que potencialmente podem passar pelos critérios de análise e avaliação financeira, socioeconômica e socioambiental; que têm o suporte de empreendedores locais dinâmicos e inovadores, que podem promover um ciclo de expansão da economia regional num modelo do estilo de desenvolvimento endógeno de planejamento participativo?


O desenvolvimento sustentável da Amazônia poderá ter uma perspectiva favorável através de duas trajetórias: a primeira,uma trajetória de grandes projetos de investimentos, tais como a exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial da Amazônia, desde que o projeto seja conciliado com as quatro regras básicas da sustentabilidade ambiental; a produção de alimentos no Noroeste do País (MATOPIBA, RONDÔNIA, ACRE) nas Novas Rotas da Seda através da Terceira REVOLUÇÃO Científica e Tecnológica da Agricultura Brasileira, entre outros; a segunda trajetória,pela promoção de um grande número de médios, pequenos e micro empreendimentos (MPMEs) de Bioeconomia através da experiência de planejamento para a negociação e promoção de oportunidades de investimento já consolidada (projetos da nova industrialização dos Estados de Minas Gerais e do Ceará, projetos promoção dos Arranjos Produtivos Locais de Alagoas, projetos de investimentos em Rondônia pós construção das barragens de Santo Antônio e Jirau, etc.) a ser realizada numa plataforma organizada durante a realização da COP-30, quando seriam apresentados a investidores e financiadores os estudos de pré-viabilidade dos projetos que irão gerar emprego e renda para as populações locais.

 
 
 

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