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A ECONOMIA BRASILEIRA EM TRABALHO DE SÍSIFO





Paulo Roberto Haddad


Na mitologia grega, Sísifo é considerado um rei astuto mas, ao desafiar e enganar os deuses, recebeu um castigo terrível: rolar uma pedra enorme montanha acima por toda a eternidade e, ao chegar ao topo, a pedra sempre rolava montanha abaixo. Sísifo tinha então que recomeçar. Segundo a mitologia, mesmo quando Sísifo estava velho e cego continuava a rolar a pedra montanha acima, sem sucesso em seu trabalho.


O termo “trabalho de Sísifo” é usado atualmente para descrever uma atividade que deve ser realizada prioritariamente, mas que, apesar de árdua e complexa, não consegue atingir o seu escopo. Podemos considerar que o estilo de política econômica que vem sendo adotado no Brasil, na última década, é um “trabalho de Sísifo”. 


O seu escopo é a redução da inflação visando promover a retomada do crescimento sustentado e sustentável da economia brasileira, a partir de equilíbrio fiscal e financeiro, zerando o déficit nas contas públicas consolidadas e com rigorosos limites ao endividamento dos três níveis de governo. A estabilidade monetária é considerada a trajetória mais adequada e sem alternativa para retomar o crescimento.


O Equilíbrio Fiscal Expansionista


Mas, esse modelo de política econômica adotado visando atingir objetivo de “estabilizar para crescer”, pode ser considerado como um trabalho de Sísifo através dos ciclos de instabilidades recorrentes dos mandatos presidenciais, desde 2014 


Em 2009, os economistas italianos Alberto Alesina e Silvia Ardagna, da Escola Luigi Bocconi da Universidade de Milão, afirmavam que os governos poderiam impulsionar o crescimento econômico de seus países se reduzissem os déficits fiscais. Em outras palavras, gastando menos (Estado mínimo) ao invés de gastar mais, trariam de volta o crescimento pelas forças desacorrentadas do mercado. Ao limitar a intervenção do Estado na economia, não seria difícil identificar “governos gastadores ineficientes” que, ao ampliar a dívida pública, elevam as taxas de juros dos mercados, expulsando os investimentos privados.


No ano seguinte, dois economistas norte-americanos, Carmem Reinhart e Kenneth Rogoff, destacaram que há uma linha vermelha que o governo não pode ultrapassar: se as suas dívidas excederem 90 por cento do PIB, o crescimento econômico poderá declinar. Enfim, corte as despesas públicas, controle o endividamento dos três níveis de governo e o crescimento virá por acréscimo.


São propostas que geraram muitas controvérsias e questionamentos, tanto em seus fundamentos analíticos quanto em suas estimativas econométricas, embora tenham se tornado o conhecimento convencional para a arquitetura das políticas econômicas, assumido com entusiasmo pelos mercados financeiros, pelo Governo Federal desde 2014 e pelos rentistas.

Em 2010, após os desequilíbrios orçamentários provocados pela crise econômica e financeira de 2008, os governos dos países desenvolvidos se reuniram para encontrar uma solução em escala global. O Ministro das Finanças da Alemanha Wolfgang Schäuble apresentava como solução o “ajustamento fiscal sincronizado”, ou seja, se todos os governos das economias mais avançadas do Mundo tentassem reduzir seus déficits simultaneamente, a retomada da normalidade econômica e financeira viria através das políticas de austeridade fiscal. É o que denominou de “consolidação fiscal expansionista”.


O receituário desse tipo de política econômica levou às seguintes medidas de política econômica, no caso brasileiro:

  1. desde 2014, para promover o equilíbrio fiscal e eliminar os  déficits prevalecentes, tornou-se necessário um corte nos gastos públicos previstos no Orçamento Geral da União tanto mais intenso quanto maior for o tamanho do déficit efetivo e potencial e quanto menor for a possibilidade de elevar incrementalmente a carga tributária.

  2. o aumento de impostos, taxas e contribuições parafiscais poderá ocorrer no curto prazo por causa da maior eficiência nos processos de arrecadação, da redução dos índices de sonegação do imposto inflacionário e de eventuais privatizações e concessões, sendo que os impactos benéficos da bem sucedida reforma tributária se darão no médio e no longo prazo; 

  3. os critérios para os cortes, contingenciamentos ou congelamentos dos gastos públicos ocorrem, quase sempre, sobre os parcos recursos não vinculados do orçamento, de tal forma que serão reduzidos os recursos disponíveis para programas e projetos altamente prioritários e politicamente sensíveis para a sociedade (investimentos em infraestrutura econômica e social, políticas sociais compensatórias, políticas ambientais, etc.);

  4. se ocorrer um evento de maior impacto socioeconômico (a pandemia da COVID 19) ou socioambiental (o desastre das enchentes do Rio Grande do Sul), o rei fica nu e a intensidade de reprogramação orçamentária se torna mais dramática.


Porque uma tarefa de Sísifo?


Uma explicação desponta. Enquanto nos países avançados (particularmente da União Europeia) a crise fiscal teve como causa principal uma conjuntura desfavorável (a crise financeira de 2008, a pandemia da COVID 19) que impactou negativamente as receitas tributárias e ampliou os gastos públicos nas áreas da saúde e das políticas sociais, no caso brasileiro o déficit fiscal se configurou pelo descompasso entre as despesas públicas, que cresceram geometricamente a partir das legítimas políticas definidas pela Constituição de 1988, enquanto as receitas tributárias cresceram aritmeticamente tendo em vista a desaceleração do crescimento econômico do País. Não há como deixar de classificar os déficits dos países avançados como de natureza conjuntural e os déficits do Brasil como de natureza histórico-estrutural.


Se assim for, todos os governos brasileiros, de 2014 até os dias de hoje, têm perseguido a cartilha do equilíbrio fiscal expansionista que, contudo, varia de país para país segundo o contexto político-institucional de cada um, pois como dizem os italianos “tra Il dire e il fare c’è di mezzo il mare”, estando propensos a:

  • ao terem que negociar recorrentemente com o Congresso Nacional o processo de programação e de reprogramação do orçamento, cada administração do Governo Federal acaba direcionando o seu ideário político-ideológico para um processo de convergência pontuada e negociada com os Partidos do Centro: por exemplo, na gestão Bolsonaro, os impactos socioeconômicos da pandemia levaram à uma política anticíclica de defesa do nível de renda do estilo Keynesiano e na atual gestão pratica-se, frequentemente, a política de estabilização monetária do estilo neoliberal; as restrições e as condicionalidades prevalecentes se impõem aos programas partidários que dão um passo à frente e dois para trás em seus objetivos doutrinários;

  • como as avalanches de demanda das políticas sociais compensatórias, de modernização da infraestrutura econômica e social, das políticas ambientais, etc. não encontram as fontes de fundos que necessitam para implementar efetivamente os seus compromissos eleitorais e promessas políticas, os governantes acabam fazendo de tudo um pouco: deixam obras inacabadas e inúmeros novos convênios assinados; serviços públicos e semipúblicos (meritórios) ofertados em quantidades insuficientes e precária qualidade; como consequência, vai se minando o capital político da gestão política dominante;

  • há dificuldades para se implementar um programa de austeridade fiscal no Brasil pois, por trás de cada Real de despesa pública programada, há sempre um grupo estruturado e politicamente mobilizado de interesse social, regional, setorial produtivo, ou não produtivo, de tal forma que cortes, contingenciamentos, reprogramações das despesas públicas se caracterizam como uma difícil arte de negociação política com o Congresso Nacional e com grupos organizados da sociedade civil; um convite a prováveis tensões sociais e políticas se o processo de implementação for realizado sem flexibilidade negocial, sem sequenciamento, intensidade e cadência das ações, corre-se, assim, o risco de um tipping point político-institucional, em um futuro não muito distante, como ocorreu na Argentina ao longo das três últimas décadas;


Os Riscos Político-Institucionais de um Tipping point


Até quando precisamos caminhar de ajuste em ajuste, diferenciados pelos mecanismos de controle político-institucional do equilíbrio fiscal, quando há alternativas de integrar políticas de estabilização com políticas de desenvolvimento, como ocorreu na experiência de Campos Bulhões? 


Há algumas expressões, em outros idiomas, que, quando traduzidas para a Língua Portuguesa, perdem força. Por isso, é preferível mantê-las no original. Um exemplo é “tipping point”, expressão que significa um ponto crítico no processo de evolução de um fenômeno ou evento que conduz a um desenvolvimento irreversível ou até mesmo a um retrocesso inevitável. O termo tem sua origem nos estudos de epidemiologia e é utilizado quando uma doença infecciosa atinge um ponto para além de qualquer habilidade local no sentido de controlar seu espraiamento mais amplo. É muitas vezes considerado como um ponto de inflexão, em geral provocado por algum evento menos significativo e aparentemente inesperado. Nesse sentido, há desastres ambientais que ocorrem como tipping points (rompimento de barragens) e outros que ocorrem de forma lenta e silenciosa, mas irreversível (a savanização da Amazônia). Alguns exemplos de tipping points podem ser ilustrativos. 


No filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, um grupo de operários descansa, no horário de almoço, na rua em frente à fábrica na qual trabalham e onde estão latentemente insatisfeitos com o que fazem e com o que recebem. Passa um caminhão carregado de explosivos com uma bandeira vermelha, sinalizando que a carga é perigosa. A bandeira cai. Chaplin pega a bandeira e corre atrás do caminhão, levantando-a para ser entregue. Os trabalhadores se erguem imediatamente, iniciando uma rebelião em marcha de protesto. A cena é de 1936, nos Estados Unidos, no contexto da depressão econômica de 1929.


Em 25 de janeiro de 2019, um grupo de turistas desceu no Aeroporto Internacional de Confins e se dirigiu de ônibus para visitar Inhotim, o maior museu a céu aberto da América Latina, em Brumadinho/MG. No meio do caminho, às 11 horas, os turistas pararam no caminho para tirar fotos de uma bela barragem de rejeitos de minérios. Às 12 horas, a barragem se rompeu, matando 270 pessoas no horário do tipping point (ponto de ruptura, a gota d´ água).

No livro “O Cassino Climático”, William Nordhaus, da Universidade de Yale  e Prêmio Nobel de Economia de 2018, afirma que quando um sistema experimenta uma profunda descontinuidade no seu comportamento, ocorre um tipping point. E que o tempo exato e a magnitude de tais eventos são quase sempre impossíveis de predizer. Eles podem ocorrer rapidamente e inesperadamente ou podem até mesmo não ocorrer. Cita como exemplos em relação às mudanças climáticas, o colapso de grandes geleiras, mudanças em larga escala na circulação oceânica, processos de realimentação em que aquecimento provoca mais aquecimento.

As ilustrações econômicas são de crises financeiras, tipping points com os quais analistas da macroeconomia estão familiarizados. Um caso é o da crise bancária, na qual as pessoas, ao acreditarem que uma corrida bancária vai acontecer, acabam provocando-a, numa expectativa ou profecia auto confirmada.


O segundo caso é mais grave e se refere à sequência de crises nas economias nacionais, iniciada com a falência do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. Para Nordhaus, ninguém antecipou como seriam profundos os custos econômicos e sociais dos pânicos financeiros, nem compreendeu o quanto estava frágil o próprio sistema financeiro. Falava-se, à época, da Grande Moderação do capitalismo e do fim dos ciclos econômicos recessivos ou inflacionários.


Pois bem, a economia brasileira já está acumulando um longo período de quase estagnação ou de recessão econômica. Nas duas primeiras décadas do século 21, enquanto no acumulado a China cresceu 345%, o Brasil cresceu apenas 26% em moeda local. Nesse contexto, já se somam milhões de brasileiros desempregados, subempregados, desalentados ou em desemprego disfarçado, acumulando uma avalanche de insatisfações, de frustrações e de infelicidade. Nessa avalanche, agregam-se os que estão perdendo o valor de sua renda real, os que estão inconformados com a crescente perda de qualidade dos serviços públicos essenciais, os que contestam os impactos concentradores de renda e de riqueza da atual política de austeridade fiscal, os que lamentam a degradação dos nossos cinco Biomas, etc., se o poder de compra de seus rendimentos cair por causa de um processo inflacionário, as insatisfações se aceleram.

Não se trata de ser pessimista ou otimista ingênuo, mas o Governo Federal deveria executar ações programáticas de um ciclo de expansão para a retomada sustentada e sustentável do crescimento, da renda e do emprego na economia brasileira e, especificamente, em algumas das fragilizadas economias estaduais e regionais, sob pena de assistir, eventualmente, a uma onda de protestos, de inconformismos e de mobilizações políticas num clássico exemplo de tipping point de uma crise econômica e social. Da mesma forma, deveria fortalecer as instituições que formulam, estruturam, implementam e supervisionam as políticas públicas para aumentar sua eficácia e eficiência.


Não há clima político para Grandes Transformações sociais e políticas se não houver inconformismo. O governo não pode se contentar com alguma taxa de crescimento que surge, no Brasil e em países da União Europeia, a partir da utilização da capacidade ociosa que emergiu durante a Pandemia da COVID 19. Poderá ser surpreendido eventualmente por algum tipping point ou por um insucesso eleitoral, nesses tempos carregados de incertezas. Como diz Josué de Castro: “O medo é, dos sentimentos humanos, o mais dissolvente, porque nos leva a fazer muita coisa que não queremos fazer e deixar de fazer muita coisa que queríamos e desejávamos fazer”.














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