A ECONOMIA BRASILEIRA NA NOVA ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL: O QUE FAZER?
- Marianna Ribeiro Oliveira
- 1 de ago.
- 15 min de leitura
Atualizado: 8 de ago.

Paulo R. Haddad
Qual o cenário mais provável para a economia mundial após a implementação do Tarifação da política nacionalista e protecionista do Presidente Trump? Quais poderão ser os seus impactos socioeconômicos e socioambientais sobre a economia brasileira? Cenários não são previsões, mas mapas de possibilidades. E ao construir esses mapas há uma tendência para que as nossas experiências passadas formatem as nossas imagens do futuro.
Se diante de uma grande transformação ou de uma crise procuramos projetar o futuro, adaptando nossas expectativas em função de eventos passados, podemos minimizar os impactos dessa nova situação e arquitetar apenas ajustes incrementais nos rumos da nossa política econômica. Na verdade, as medidas tomadas pelo Presidente Trump irão construir uma nova ordem econômica internacional, o que deve implicar em mudanças nas perspectivas de nossa economia.
O IMPÉRIO DO PROTECIONISMO
Em setembro do ano passado, o Centre d'Études Prospectives et d'Informations Internationales (CEPII), que é o principal centro francês de pesquisa e de expertise em economia internacional, publicou o estudo sobre a economia mundial em 2025*. Segundo esse estudo a economia mundial irá, a partir de 2025, passar por grandes transformações, particularmente a partir da implementação das políticas econômicas do Governo Trump, de cunho nacionalista e protecionista. A onda protecionista, que vinha crescendo nas economias avançadas desde o fim da pandemia da COVID-19, tenderá a se acentuar dificultando, em particular, a política de crescimento econômico baseada nas exportações em diversos países entre os quais o Brasil mas, principalmente, a China.
Essa onda protecionista apresenta dois grandes problemas:
quando o principal player do comércio mundial desencadeia um processo de protecionismo, a onda se propaga por muitos outros países, sob a forma de retaliação ou de igual proteção das indústrias nacionais;
embora o protecionismo norte-americano tenda a ser mais agressivo na gestão Trump, essa onda protecionista como macro tendência do cenário internacional surgiu em administrações anteriores, como na gestão do Presidente Biden quando, por exemplo, em agosto de 2023, os Estados Unidos assinaram um decreto para filtrar investimentos americanos na China em três setores muito sensíveis: os semicondutores, a informática quântica e a IA, com o intuito de evitar que investimentos americanos aumentem a dependência do país em relação à China. Nos EE.UU, o imperativo protecionista ressuscita das trevas o pensamento econômico de Frederic List pois, como dizia Keynes “As ideias dos economistas e dos filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, têm mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é governado por pouco mais do que isso. Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto”.
Na origem da formação do império norte-americano, a partir dos anos 1920, está uma política econômica de protecionismo à industrialização nascente, proposta por Frederic List (1798-1846) na sua obra Sistema Nacional de Economia Política*: List criticava Adam Smith, o mestre primeiro do liberalismo econômico (1776), por sua defesa do “cosmopolitismo ilimitado, o qual ignorava o interesse nacional”
Cristovam Buarque resumiu o pensamento de List, presente na política econômica de Trump através do MAGA, com o seguinte sumário:
Objetivo: o desenvolvimento de qualquer Economia tem como objetivo a limitação dos países já industrialmente desenvolvidos; as Economias se desenvolvem mediante etapas sucessivas, que só podem ser superadas através da ação indutora do Estado;
Protecionismo: o caminho à industrialização (condição necessária e razão do desenvolvimento) das nações passa, obrigatoriamente, por uma proteção aduaneira à indústria nacional;
Mercado interno: o protecionismo, ao permitir o dinamismo da indústria local, gera também o mercado interno necessário ao seu próprio crescimento;
Infraestrutura: para que a industrialização seja possível é fundamental a execução, com apoio do Estado, de obras de infraestrutura, especialmente no setor de transportes.
Num período histórico de economias nacionais globalizadas no século 21, com uma política econômica protecionista através de um tarifaço em andamento por parte da economia dominante, poderão ocorrer grandes catástrofes socioeconômicas até que se estabilize uma nova ordem econômica mundial, cujas características estruturais podem ser imprevisíveis, algo como um aprendiz de feiticeiro que desencadeia forças que não pode controlar.
UMA SOCIEDADE DIVIDIDA
É um engano achar que o tarifaço imposto a todos os países do Mundo pelo Presidente Trump seja o resultado ocasional e errático dos traços psicológicos e comportamentais específicos de um mandatário da principal potência econômica e militar do Planeta. É uma ilusão também achar que, através do diálogo e da negociação, é possível reverter radicalmente as atitudes protecionistas empresariais assumidas pelo Presidente Trump e que a normalidade econômica possa ser recuperada sem recorrência ao longo dos próximos meses, através de ajustes incrementais na atual ordem econômica mundial, uma vez que essas atitudes nascem de um projeto nacional de desenvolvimento, cujos fundamentos foram validados em um processo eleitoral democrático..
Na verdade, o Presidente Trump está implementando um projeto de governo que tem como objetivo a realização das aspirações e dos desejos majoritários da sociedade norte-americana no campo econômico. Essa sociedade vem acumulando insatisfações com a evolução da economia desde o início dos anos 1980, com o elevado grau de concentração da renda e da riqueza naquele país (a maior concentração entre todas as economias avançadas) , com suas mazelas sociais, com a perda do poder aquisitivo da massa dos assalariados e com o empobrecimento da classe média..
Em livro publicado em 2020, Anne Case e Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia de 2015, investigaram a expansão vertiginosa das diferentes causas de mortes nos EE.UU, as quais denominam “mortes de desespero”: suicídios, overdoses e alcoolismo. Analisaram, principalmente, o grupo de renda média na faixa etária de 45 a 54 anos da população branca dos EE.UU., dividindo-o por nível de educação. O subgrupo com menor nível de educação perdeu, entre 1979 e 2017, 13 por cento de seu poder de compra, sendo que os salários dos trabalhadores norte-americanos ficaram estagnados durante meio século. Empregos não são apenas a fonte de renda e de projetos profissionais, mas a base de rituais, costumes, rotinas e hábitos de consumo da vida dos trabalhadores, os valores culturais que contribuem para o seu equilíbrio emocional.*
No livro, os autores consideram que o EE.UU. estão experimentando uma verdadeira catástrofe através das mortes de desespero entre aqueles que não têm curso superior ou nível de especialização apropriada para os processos e as tecnologias das novas revoluções industriais. Os seus empregos foram substituídos pelas importações de outros países (principalmente da China) ou pela automação robótica nas fábricas. Com a saúde abalada, esse grupo social se encontra diante do pior sistema de saúde pública entre todos os países mais ricos do Mundo, ao qual podemos contrapor o nosso SUS que demonstrou, apesar de inúmeras dificuldades financeiras e organizacionais, excelente desempenho institucional durante a pandemia da COVID 19.
Nesse contexto, em que grande parte dos assalariados empobrece e que é precária a oferta de serviços públicos essenciais para a população de menor poder aquisitivo, abre-se o espaço político para lideranças políticas populistas. Podemos nos referir à obra de Barry Eichengreen, historiador econômico da Universidade da Califórnia (Stanford) que analisou a tentação populista nos EE.UU. e na Europa, desde o século XIX até as correntes atuais, incluindo o BREXIT e o Governo Trump (1º mandato).*
Destacamos, em sua análise das experiências políticas do populismo, cinco características que podem explicar a atual postura do Governo Trump:
As políticas econômicas típicas de líderes populistas autoritários são danosas e destrutivas e os seus impactos sobre as instituições são corrosivos;
As atitudes que esses líderes estimulam têm a capacidade de provocar o que há de pior entre os seus seguidores;
O populismo arregimenta a população contra a informação e o conhecimento científicos;
O populismo é divisivo e provoca, recorrentemente, desacordos e tensões entre interesses conflitantes na sociedade;
O populismo floresce em contextos de fraco desempenho da economia para as novas gerações.
O QUE FAZER?
Depois da II Grande Guerra, o Brasil vivenciou dois ciclos de expansão econômica: o primeiro, nos anos JK e o segundo, durante o período do “milagre econômico” no regime militar. Um ciclo de expansão se caracteriza por um longo período (de cinco a dez anos) de crescimento econômico acelerado como o da China, tanto global quanto setorial. É precedido, normalmente, por reformas econômicas e institucionais de natureza reestruturante, que contribuem para a eliminação de pontos de estrangulamento e de outros óbices à mobilização das potencialidades latentes de desenvolvimento. Num ciclo de expansão, o ambiente psicossocial da população é de confiança no progresso da nação e de euforia com o crescimento continuado da renda e da riqueza.
A partir de 1980, o crescimento da economia brasileira se desacelerou sem que se caracterizasse um terceiro ciclo de expansão no pós-II Grande Guerra, embora tenham ocorrido ciclos curtos de evolução positiva durante os períodos pós-Plano Real, o boom das commodities, a retomada pós-pandemia. No século 21, de 2000 a 2020 o crescimento médio do PIB foi de 2,2 % ao ano, que, quando confrontado com a taxa de crescimento demográfico de 1,7 % ao ano, nos deixa com um pífio crescimento do PIB per capita.
Se, eventualmente, todo esse imbróglio do Tarifaço, criado como instrumento econômico principal da política nacionalista e protecionista do Presidente Trump, gerar um ambiente de incertezas e imprevisibilidade na economia brasileira, certamente poderá ocorrer um processo recessivo elevando as taxas de desemprego, as quedas na renda nacional e na base tributável dos três níveis de governo. Entre os componentes da demanda agregada que poderão compensar a eventual queda nas exportações brasileiras, o mais possível e realista é a expansão dos investimentos empresariais concebidos e estruturados para a arquitetura de um novo ciclo de expansão. Os investimentos em máquinas, instalações, infraestrutura econômica, etc. têm um duplo papel: são, ao mesmo tempo, um acréscimo na demanda agregada e um acréscimo na capacidade produtiva.
Em 1939, o Prof. Paul Samuelson, ganhador do Prêmio Nobel em Economia em 1970, analisou as interações circulares, no lado real da economia, entre os efeitos combinados do multiplicador Keynesiano com o princípio da aceleração econômica. Esses efeitos são interdependentes tanto nas flutuações cíclicas de prosperidade econômica quanto nas de recessão. A ideia é simples: os investimentos em bens de capital dependem, entre outros fatores, das mudanças sustentadas no nível da demanda agregada. Máquinas, equipamentos e galpões industriais são duráveis, e seria possível manter o nível do PIB sem novos investimentos, se a capacidade produtiva estiver adequada. Contudo, se a demanda se retrai, o sistema passa a operar com capacidade ociosa, dispensando a necessidade de novos investimentos que entram em colapso. O princípio da aceleração estabelece um elo causal entre as variações na demanda agregada e o nível de investimento.
Por outro lado, a redução de investimentos tem um efeito multiplicador negativo sobre o emprego e a renda da economia, através da demanda induzida dos consumidores. Se as exportações brasileiras se desaceleram, projetos de investimento são cancelados ou postergados, reduzem-se as encomendas para as indústrias de construção civil e de bens de capital, que desempregam mão de obra de todos os níveis de qualificação. Caindo a renda e o emprego, reduz-se a demanda de bens de consumo, cuja indústria irá adiar os seus planos de expansão.
Desta forma, vai se configurando o circuito completo de uma recessão econômica, o qual fica melhor caracterizado quando, nessas interações, se coloca o papel das expectativas em torno de uma economia mundial que oscila entre uma recessão de grande profundidade e uma depressão, que podem até mesmo não ocorrer, dependendo das reações políticas.
É bastante provável que se venha a assistir, ao longo dos próximos meses, o aprofundamento dessas interações circulares para baixo entre o multiplicador e o acelerador na economia brasileira. Pois, por causa da atual crise fiscal, as medidas fiscais e financeiras tomadas pelo Governo Federal são de intensidade limitada em seu escopo, difusas em seus impactos no tempo e sem capacidade de reverter as expectativas adversas sobre a evolução do ciclo recessivo que pode se delinear de forma cadenciada, mas irreversível, em um mundo de incertezas e imprevisibilidade. As dificuldades maiores são sinalizadas pelo filósofo italiano Antônio Gramsci: “A crise está principalmente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.
QUAIS PROJETOS DE INVESTIMENTO?
Como as exportações brasileiras representam, atualmente, mais de 350 bilhões de dólares ao ano, é preciso considerar os GPIs (Grandes Projetos de Investimentos), que tenham mercados em expansão grandiosa com os seus efeitos, indiretos e induzidos (multiplicador-acelerador), que já estejam em avançado estágio de estruturação técnica e organizacional, que se submetam aos critérios de rentabilidade financeira e de rentabilidade socioeconômica e socioambiental, que o seu anúncio por si só seja capaz de reverter expectativas dos agentes econômicos. Há, atualmente, dois GPIs que atendem a essas comunidades econômicas, além de outros: Projeto 1 - aque Terceira Revolução Científica e Tecnológica da Agropecuária Brasileira; Projeto 2 - a Exploração de Petróleo na Margem Equatorial da Amazônia.
Diante de uma nova ordem econômica que vai se configurando em escala mundial, não basta que o Brasil realize os indispensáveis ajustes incrementais da política econômica. Contudo, não há espaço para a realização das políticas anticíclicas tradicionais sem comprometer o processo de estabilidade econômica em andamento e o equilíbrio fiscal com a expansão dos gastos públicos ou da política monetária. O que se propõe é a realização, num médio prazo, de dois grandes projetos de investimentos, que poderão garantir um nível de demanda agregada suficiente para compensar eventuais quedas no consumo privado e no gasto público.
PROJETO 1
A “revolução dos cerrados” ocorreu a partir do Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP), quando Alysson Paolinelli era Secretário da Agricultura do Governo de Minas Gerais e se ampliou para todo o Centro-Oeste no Governo Geisel, quando Paolinelli, então Ministro da Agricultura, implementou o POLOCENTRO, a revolução verde dos cerrados para o Sul de Goiás, o Triângulo e o Noroeste Mineiro, o Oeste da Bahia, Balsas no Maranhão, Gurguéia no Piauí, Tocantins, Rondônia. O Acre tornou-se a nova fronteira da agropecuária brasileira. A partir dessa revolução, o Brasil tornou-se um dos maiores produtores de alimentos do Mundo, assumindo a liderança das exportações mundiais em inúmeros produtos agropecuários.
O evento mais destacado dessa revolução verde foi a grande mudança dos cerrados brasileiros, de um recurso físico sem valor econômico em fator econômico de altíssima produtividade e competitivo globalmente, que tem sido capaz de mobilizar poderosas cadeias de valor e sustentar economicamente os níveis de renda e de emprego, assim como a balança comercial do País, até mesmo em anos de profunda recessão. E o Sistema EMBRAPA de pesquisas agropecuárias, que engloba inúmeras instituições públicas e privadas de pesquisas científicas, mantém acesa a flama das inovações tecnológicas.
A agricultura tradicional se contrapõe à moderna agropecuária do agronegócio e da agricultura familiar, que produz com menor intensidade de terra, que consome menos água por tonelagem de produção irrigada, que recicla os resíduos e dejetos das atividades produtivas, além de conservar, preservar e reabilitar os ativos ambientais como capital natural. Que tem, principalmente, a capacidade de produzir, sem desmatar, alimentos sustentáveis, saudáveis e resistentes às mudanças climáticas, através das estratégias empresariais da redução de custos, da diferenciação de produtos e da diversificação de atividades.
Ainda há muito a ser feito para qualificar e consolidar a revolução verde nas áreas tropicais brasileiras, eliminando muitas de suas mazelas socioeconômicas e socioambientais. Contudo, os mais expressivos progressos científicos e tecnológicos dos diferentes sistemas produtivos do País estão, atualmente, nas fronteiras da agropecuária nacional. Daí se asseverar que, no atual contexto de nossa história econômica, o capitalismo mora no campo. Pesquisadores afirmam que “se adotássemos apenas 50% das inovações científicas e tecnológicas disponíveis e já testadas, seria possível dobrar a produção agropecuária sem desmatar”. Como destacou Alysson Paolinelli, quando presidia o Instituto Fórum do Futuro:
“A partir da Segunda Revolução da Agropecuária Brasileira, o País passou a ser respeitado como um global player na oferta mundial de alimentos e está sintonizado com a atual fase da nova revolução industrial que, algumas vezes, tem sido denominada de capitalismo natural. Conseguimos dar o Segundo Salto para o futuro com a entrada do Brasil no sistema produtivo mundial. Agora, é imprescindível encarar de frente os reptos e as chances históricas que a visão de Estado exige, para nos levar ao Terceiro Salto. Isso em um momento em que o Mundo aumenta fortemente a demanda por energias renováveis e limpas, por mais alimentos e por agentes produtores e sistemas que ofereçam segurança.”
Como a demanda mundial de alimentos continua em pleno crescimento, particularmente no Sudeste Asiático (China, Vietnam, Coreia do Sul, Japão, etc.) onde ocorre uma expansão do mercado interno e programas de segurança alimentar e, ao mesmo tempo, como a implantação do III Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira favorece a expansão geométrica da produção de alimentos, resta analisar a logística de transporte e de comunicação para a acessibilidade aos mercados consumidores do Eixo de Desenvolvimento Regional da Amazônia Ocidental/Noroeste Brasileiro MATOPIBA/RONDÔNIA/ACRE - Porto de Chankay (Peru).
É historicamente realista formular uma estratégia para a elaboração e a implementação de um novo ciclo de expansão da agropecuária brasileira, baseada nos seguintes fatores:
do lado da demanda, a abertura dos mercados da China para produtos agropecuários do Brasil, a partir dos 37 Acordos assinados entre os dois países em novembro de 2024;
do lado da oferta, o aumento da produtividade da agropecuária brasileira a partir do Terceiro Salto Científico e Tecnológico, que favorece a produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas;
a disponibilidade de poderosas instituições públicas e privadas capazes de manter dinâmicas as inovações schumpeterianas reestruturantes ou incrementais da agropecuária brasileira;
a logística de acessibilidade ao mega porto de Chankay, no Peru, construído por capitais privados da China para o escoamento da produção agrícola e mineral da América Latina;
a disponibilidade de uma nova geração de empreendedores que vêm acumulando experiências inovadoras a partir da “revolução dos cerrados” em várias regiões do Brasil.
PROJETO 2
Partindo do pressuposto de que o projeto de exploração do petróleo na Margem Equatorial da Amazônia é indispensável para a retomada do crescimento econômico do Brasil e de que é possível arquitetar o projeto em termos de desenvolvimento sustentável, há condições para a sua implantação a partir de um conjunto de condicionalidades conceituais e operacionais. Por se tratar do maior ativo ambiental da sociedade brasileira, a Amazônia é parte do Patrimônio Nacional da Sociedade Brasileira e não pode ser explorada pelas forças livres de mercado sem se submeter às estruturas regulatórias do Poder Público, o qual define os objetivos e as metas de uso sustentável do Bioma.
Para a formulação desse Projeto, são analisados dois casos nos quais apareceram problemas ambientais com alguma semelhança na questão que estamos tratando. No início dos anos 2000, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estava financiando o asfaltamento da rodovia Santa Cruz de La Sierra (Bolívia)–Corumbá, quando apareceu um legítimo movimento dos ambientalistas temendo os seus impactos degradantes sobre o meio ambiente, especificamente sobre o Parque Nacional Kaa-Iya Del Gran Chaco.
Para equacionar o dilema que levava a um impasse decisório, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) constituiu uma comissão presidida pelo Embaixador da Holanda no Brasil para elaborar uma proposta para o equacionamento do problema organizacional. A proposta final, que desfez o impasse, foi a de dois programas: o do asfaltamento da rodovia e o de conservação, preservação e recuperação do Parque, com os dois cronogramas físico-financeiros dos projetos integrados, de tal forma que um não avançaria sem que o outro também avançasse.
Uma modelagem semelhante já havia ocorrido, em 1980, no projeto da estrada Caratinga–Vale do Aço (MG) que cruzaria o Parque do Rio Doce. A equipe técnica do DER-MG, responsável pela elaboração do projeto, visitou experiências equivalentes em parques dos EE.UU. e conceberam o projeto respeitando a Biodiversidade do Parque (mega túneis para a mobilidade da fauna, legislação para evitar a poluição sonora do tráfego de carros e caminhões, taxa de pedágio para financiar a conservação do parque, etc.); o projeto não foi implementado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) por falta de financiamento.
Jared Diamond, em seu livro Colapso*, ao avaliar projetos de poços de petróleo na Nova Guiné, encontrou dois casos do espectro oposto de impactos ambientais, degradantes ou sustentáveis. O projeto na Ilha Salawati, visitada com o objetivo de elaborar um survey de aves nas ilhas da Nova Guiné, apresentava todos os problemas ambientais ocasionados pela entrada de um GPI em uma região apenas para criar valor para os acionistas, com porteira aberta de acesso livre, sem estruturas regulatórias e restrições operacionais. Faz parte do que o biólogo Garret Hardin definiu como “a tragédia dos bens comuns”, uma situação em que indivíduos e instituições, agindo de forma independente e racional de acordo com os seus próprios interesses, se comportam contrários aos melhores interesses da sociedade, esgotando algum interesse comum ou social.
O segundo projeto foi o campo de petróleo de Kutuba, operado por uma subsidiária da grande companhia de petróleo Chevron Corporation e localizado na Bacia do Rio Kikori da Papua Nova Guiné, em uma área sensível e difícil de trabalhar. Em 1993, a Chevron se articulou com a World Wildlife Fund (WWF) para preparar um amplo projeto integrado de conservação para toda a bacia hidrográfica, visando a minimizar os danos ao meio ambiente, beneficiando as comunidades locais economicamente e atraindo recursos do Banco Mundial para a promoção de desenvolvimento comunitário.
O componente da conservação ambiental foi muito detalhado, cabendo destacar:
a) definição de regras para alguém estar na área do projeto com a proibição de armas de fogo ou equipamentos de caça de qualquer tipo, drogas e álcool; para isto, os milhares de funcionários eram treinados e conscientizados sobre segurança e proteção ambiental;
b) a estrada de acesso ao projeto era concebida com a largura suficiente para a passagem de dois veículos em direção oposta, sendo que o equipamento pesado foi transportado de helicóptero;
c) um programa de avaliação, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas;
d) projetos de preservação e conservação nas áreas de influência direta e indireta da exploração de petróleo; etc.
Considerando que:
a) a transição energética poderá durar até meio século antes que se possa dispensar a energia do petróleo e do gás,
b) o Brasil precisa retomar um processo de crescimento econômico sustentado (contínuo e estável) e sustentável (prosperidade + justiça social + sustentabilidade);
c) há experiências nacionais e internacionais da arquitetura de grandes projetos de investimento (GPI) que permitem conciliar eficiência econômica e sustentabilidade ambiental baseando-se em novos avanços do conhecimento científico e tecnológico, propõe-se que:
haja elaboração de dois projetos integrados para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, um de conservação e preservação ambiental, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outro das atividades diretamente produtivas, elaborado pela PETROBRÁS, ambos financiados pela PETROBRÁS;
os dois projetos sejam concebidos como projetos de desenvolvimento sustentável segundo o trilema global ético (prosperidade – consumo de massa + justiça global + sustentabilidade ecológica); a operacionalização dos projetos deve ter os seus cronogramas físicos e financeiros integrados com previsão de avanço simultâneo;
a supervisão do processo de implantação dos projetos deve ser realizada conjuntamente pelo MMA e a PETROBRÁS;
como na criação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, 8% do lucro líquido gerado pela PETROBRÁS na Margem Equatorial devem ser destinados a uma Reserva sob a gestão do MMA, com objetivo de apoiar projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia, inclusive projetos de diversificação da base econômica nas áreas de impactos diretos da exploração do petróleo e gás;
o arcabouço dos dois projetos integrados deve ser concebido segundo os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU;
caso não haja consenso entre o MMA e a PETROBRÁS sobre a concepção e a implementação dos projetos, é recomendável pelo PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO que a exploração de petróleo na Amazônia seja postergada.



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