*Paulo Romano
Não havia internet nem telefonia móvel. Nem estradas e nem energia elétrica. E muito menos o conhecimento hoje disponível.
Ainda na década de 1960, quando as atividades econômicas predominantes eram a produção de carvão vegetal para nascente siderurgia, sobretudo no estado de Minas Gerais e uma rústica pecuária bovina com animais soltos nos imensos espaços das largas, sem cercas. O alimento era exclusivamente a pastagem nativa. Vivíamos em tempos vizinhos aos dos sertões, registrados na magistral obra da profunda e filosófica literatura de Guimarães Rosa, como descrito em Grande Sertão: Veredas. Embrenhado com seus peões sertanejos, acompanhantes naquela jornada em natureza bruta, sintetizou: “Viver é perigoso”. Por isso, o vazio de gente nos grandes espaços das chapadas onde ao andar, a pé ou a cavalo, se fazia o longe. Sem conexão física, o Chapadão dos Bugres e a Chapada dos Parecis, em Mato Grosso; o Chapadão da Zagaia e extensa Campina de São Jerônimo, em Minas Gerais Campina ou ainda a região do Além São Francisco, na Bahia, comunicavam entre si, como observaria Darwin, por suas realidades e afinidades.
Terras do além que não tinham valor monetário. Era um Brasil do litoral e do poder político e econômico instalado no Sul / Sudeste. Pela visão e compromisso do estadista e Presidente Juscelino Kubitschek, em 1960, esta realidade começou a mudar com a inauguração e transferência da capital para Brasília, em 1960. Distante 1200 km do Rio de Janeiro, iniciava-se o exercício do poder de Estado e de Governo em pleno Planalto Central.
Em Minas Gerais, no primeiro ano da década de 1970, começava importante movimento que viria transformar a agricultura na região dos cerrados brasileiros.
Tal movimento foi liderado por Alysson Paolinelli, ex-professor e ex-diretor da Escola Superior de Agricultura de Lavras (hoje UFLA), que em 1971 assumiu a Secretaria de Agricultura do Estado. Jovem, com bagagem acadêmica, forte poder de articulação, com ideias inovadoras e estilo arrojado, promoveu, de imediato, grandes mudanças, cuja consistência dos conceitos geraram importantes resultados que se expandem, até hoje, no tempo e no espaço.
Por exemplo, criou e organizou o PIPAEMG – Programa Integrado de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais: um trabalho em rede com participação de universidades e entidades do Estado para gerar conhecimento visando o desenvolvimento agropecuário. Tal experiência viria a se estabelecer no plano federal com a implantação da EMBRAPA e sua condição de coordenadora do SNPA – Sistema Nacional de Pesquisas Agropecuárias, a partir de 1974, formando uma poderosa rede de geração de conhecimentos na área de ciências agrárias.
Ainda como Secretário, Paolinelli soube valorizar e potencializar as exitosas iniciativas do recém criado BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais que, de maneira empreendedora e inovadora, ousava com a implantação do PCRI – Programa de Crédito Rural Integrado e o Programa de Renovação da Cafeicultura de Minas Gerais. Este último à revelia do IBC – Instituto Brasileiro do Café, mas justificado pela profunda crise social causada pela rápida e ampla erradicação de cafezais no Sul e na Zona da Mata, principais produtoras do estado.
Nesta perspectiva de crédito integrado (financiamento para aquisição da terra ao custeio agrícola) a incorporação dos cerrados ao processo produtivo foi idealizada, planejada e implantada a partir do PADAP – Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba com base nos municípios de São Gotardo e Alto Paranaíba, onde hoje está instalado um campo avançado da UFV – Universidade Federal de Viçosa.
O PADAP com um novo conceito de integração (produtiva, social e institucional) adquiriu vigor diferenciado dos tradicionais projetos de colonização (ou assentamento) porque trouxe consigo também a determinação, vontade e necessidade de vencer de famílias e jovens, principalmente, de origem japonesa (nisseis e sanseis) apoiados em suas cooperativas de origem, a COOPERCOTIA – Cooperativa Agrícola de Cotia e Cooperativa Sul Brasil.
Vivenciei intensamente esses processos transformadores, seja como agrônomo e gestor no BDMG ou como Secretário Adjunto da Agricultura. O êxito deste projeto se deveu também ao seu elevado poder de inclusão (econômica, política, social e cultural), pois jovens, filhos de pequenos e médios produtores e que trabalhavam com os pais, tiveram a oportunidade de empreender e crescer a partir de empréstimo para projeto integrado em lotes desmembrados de área vazia desapropriada para o assentamento. Além disso, foram recepcionados por uma comunidade tradicional pré-existente.
Pode-se afirmar com segurança que o PADAP foi a semente do desenvolvimento dos cerrados pelo assentamento de produtores experientes, porém, sem terra e organizados em cooperativas. Assumiram os riscos do empreendimento e o ônus do pioneirismo, em área de precária infraestrutura e parco conhecimento das condições do bioma.
O PADAP, conceitualmente, foi a base do PRODECER – Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados cuja negociação iniciou-se em 1974 com a visita ao Brasil do Primeiro-Ministro Japonês Kakuei Tanaka, correspondida, em 1976, pela do Presidente Ernesto Geisel ao Japão consolidando o interesse mútuo pela cooperação.
Tendo assumido o Ministério da Agricultura em 1974, o Ministro Alysson Paolinelli contribuiu para decisões estratégicas do Governo e continuou liderando processos em relação ao desenvolvimento dos cerrados.
Para a decisão marcante, que mudou a história da ocupação da Amazônia, Paolinelli ofereceu a opção do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, criado por decreto em 1975, em lugar do Programa de Integração da Amazônia cujo conceito central e objetivo eram geopolíticos. Tratava-se de contundente posicionamento do Estado Brasileiro (naquela época sob governo militar) e significava uma ação forte que dava concretude ao sentido mobilizador e político da frase “integrar para não entregar”, diante de supostas ameaças estrangeiras à Amazônia. De fato, até aquela época a emissora mais presente no interior da região era a Rádio América (americana) com programação em português.
Já nos alinhamentos para formação da equipe e estabelecimento das bases políticas e estratégicas, em 1974, os diálogos entre o Presidente Geisel e Paolinelli resultaram na constatação de que o momento demandava ação assertiva do Brasil no sentido geoeconômico. O país importava 30% dos alimentos consumidos, a inflação batia à porta, o déficit na balança de pagamentos era elevado e crescente, principalmente pela já instalada crise econômica mundial. Os efeitos do primeiro choque do petróleo foram devastadores, pela súbita elevação do preço do barril de US $3,00 para US $11,00. O Brasil com dependência externa de alimentos e de petróleo, e, ainda, com o déficit cambial. Era demais!
Em síntese, a prioridade era a ocupação da Amazônia com transferência de famílias de várias partes do país inicialmente para as margens da precária rodovia Transamazônica, com financiamento para desmatar 50% do lote como condição para receber o título da terra. Para o plantio, não havia retaguarda tecnológica nem de infraestrutura. Essa era a realidade. E era imperioso produzir alimentos e resguardar o desconhecido bioma amazônico.
Retornando à experiência mineira, Paolinelli, impulsionado por sua visão de futuro e pressão pela resposta no momento asseverou: “Presidente, da Amazonia nada conhecemos; já dos cerrados conhecemos um pouco”. Este diálogo foi parte do encontro em que o Presidente Geisel confirmou convite a Paolinelli para assumir o Ministério da Agricultura.
Assim nasceu o POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimentos dos Cerrados, em 1975, como decisão de Estado. Foi aprovado pelo CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico, presidido pelo presidente da República e, de imediato, instituído por decreto. Neste momento há que ressaltar também a visão e apoio do Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso, a implementação da medida. No mesmo ano foi criado o PROÁLCOOL, orgulho brasileiro, para reduzir a dependência de petróleo e outros objetivos.
O POLOCENTRO abrangia financiamento da infraestrutura (estradas, energia) regional ou microrregional, suporte às cooperativas e produtores em seus novos empreendimentos, consubstanciado em crédito integrado e assistência técnica, além de apoio à pesquisa através de governos estaduais. Foram aplicados cerca de US $3,0 bilhões, visando mobilizar para a produção agropecuária em torno de 3,0 milhões de hectares. Tudo com recursos da União.
Acompanhei e colaborei com todo esse processo na condição de Secretário Executivo do MAPA (Ministério da Agricultura) de 1974 a 1979.
Enquanto isso, com esmero, segurança e em ritmo oriental cadenciado evoluía a preparação do PRODECER. Em novembro de 1978 foi constituída a CAMPO - Companhia de Promoção Agrícola, binacional nipo-brasileira. Em 1979 foram assinados os acordos de empréstimo e de projeto viabilizando a movimentação dos recursos, via Banco Central e agentes financeiros, para empréstimos aos produtores e suas cooperativas com assistência técnica. Tudo sob planejamento, coordenação e supervisão da CAMPO.
Assim, após o PRODECER I, em Minas Gerais, seguiram-se as fases II em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Goiás e a III, em Tocantins e Maranhão.
A articulação transversal entre os três níveis do Estado Brasileiro (União, Estados e Municípios), além de outras instituições, era intensa. Assim como com os parceiros japoneses, principalmente a sempre presente JICA – Agência de Cooperação Internacional, do Japão.
Cidades foram criadas ou transformadas com experiências novas para os que chegaram e para os que recepcionaram. Brotou e multiplicou a semente da transformação em que pessoas e instituições se dedicaram a construir uma nova vida, novas comunidades no interior vazio contribuindo decisivamente para forjar um novo Brasil, hoje líder na produção sustentável de alimentos em escala mundial.
Com o olhar de hoje parece que foi uma “corrida do ouro” em que tudo deu certo. De fato, processos tão complexos, ritmo acelerado de mudanças, naturais desconfianças ou medo do desconhecido constituíram parte dos desafios a vencer. Fatores naturais, culturais, sociais e políticos revezavam-se como faces dos obstáculos a serem vencidos. Cada ultrapassagem, entretanto, amalgamava a construção de um pacto onde só se vislumbrava um futuro melhor.
Intensa participação, compartilhamento, construção de ambiente de confiança pessoal, profissional e institucional foram exercício permanente para tessitura social que dava força e alimentava o processo de transformações.
O custo para a realização dos sonhos foi elevado.
Para registrar tantas e fortes lembranças das famílias que aportaram em seu novo destino, lembro-me de algumas de Encantado (RS) chegando com mudança a Iraí de Minas. Geralmente netos ou filhos de imigrantes italianos e alemães repetiam o início de seus ascendentes quase um século depois.
Na praça da pequena cidade de 4000 habitantes, curiosos em volta, recebiam orientações para alcançar seu lote de terra, já demarcado e destinado por sorteio atrelado a critérios técnicos e sociais estabelecidos pela CAMPO e pelos interessados, representados pela Cooperativa. Antes de assinarem o contrato, os futuros proprietários poderiam ajustar preferências ou conveniências e realizar troca entre eles. Tudo visando contribuir para assegurar a participação e o sentimento de pertencimento ao processo.
Ao acessarem o lote, o choque com a nova dimensão do novo espaço em que ocupariam. Em geral, 10 a 15 vezes maior do que o de origem. Em seguida, a configuração nunca vista da vegetação, estranha para eles, a ser suprimida para futuros cultivos, construção da casa e instalações para pequenos animais. Tudo isso ainda dependia de projeto e financiamento. Enquanto luz do dia, a primeira providência era armar a barraca de lona preta como moradia precária por alguns meses. Essa realidade era previamente anunciada, porém nunca sentida. Daí a importância do preparo, do apoio e da determinação individual e coletiva.
No palco institucional, fases críticas decorreram da instabilidade econômica, hiperinflação, sucessivos “planos econômicos” com mudanças abruptas nas condições de financiamento (de juros fixos para correção monetária) aos produtores. Tais circunstâncias viriam a exigir prolongadas e complexas renegociação de dívidas que com mobilização intensa de áreas do executivo, do legislativo e do judiciário. Além de muita dedicação e perseverança da CAMPO, das cooperativas e dos produtores.
Certamente o momento mais crítico do PRODECER ocorreu no final do ciclo do governo militar.
Já instalado o processo de abertura política, uma forte corrente de críticas e agressões à cooperação nipo-brasileira foi articulada e iniciada por parlamentares de oposição ao Governo Federal de vários estados sendo disseminada pela CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e por movimentos sindicais e outros, como alguns ligados a Igreja Católica, especialmente as Comunidades Eclesiásticas de Base – CEB, então muito atuantes. Deste modo, de cartas pastorais, aos milhares, lidas em missas às convocações para depoimentos na Câmara dos Deputados, alimentaram a imprensa engajada em críticas políticas ao governo. Nesse ambiente de antevéspera de eleições gerais (exceto para municípios) e ainda sem resultados concretos de um projeto de maturação lenta, foi necessário intenso trabalho de esclarecimento em meio hostil.
A sensibilidade e avaliação japonesas nos planos político e diplomático somadas à enorme dificuldade de entender tamanha agressividade transformou-se em manifesto desconforto. Perplexas indagações revelavam receio de desdobramentos e desgaste de imagem e perdas na harmônica, histórica e profícua relação entre as duas nações.
Não era para menos. Demonstrando compromisso de Estado, o Governo japonês, desde o início, indicou para o Conselho da CAMPO três respeitáveis e notáveis cidadãos. Um deles, o Sr. Mizukami, histórico amigo do Imperador Hiroito que, com este, vivenciou a realidade da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Outro, Sr. Hisamuni, havia sido diretor do Departamento de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura do Japão.
Do lado brasileiro, como Presidente do Conselho, destaca-se o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, com liderança e dedicação indispensáveis ao desenvolvimento do Projeto.
Na Diretoria Executiva, com dois diretores o lado japonês sempre indicou para vice-presidente um embaixador e para diretor financeiro um executivo com experiência em empresa privada.
Assim atravessamos momentos turbulentos com tal gravidade que recebi a proposta-indagação do Sr Hisamuni, que liderou muitas missões ao Brasil: “não seria melhor suspendermos a cooperação?” Naquele momento ainda estava sendo implantado o projeto-piloto em Minas Gerais (US $50.000,00 para os projetos de Paracatu, Iraí de Minas e Coromandel, com área de 50 mil hectares). Este projeto depois viria a ser considerado como PRODECER I. Não havia compromisso assinado para fases posteriores.
“Suspender a cooperação” era tudo que os opositores ao projeto queriam. Basta captar frases de livretos (panfletos) que circulavam chamando o PRODECER de PROJETO JICA. Em um deles, chamado URGENTE (edição de 1986), originário de Londrina (PR), cidade que abriga grande colônia nipo-brasileira, o então deputado Hélio Duque (PR) denuncia o “Projeto JICA” como já o fizera em discursos na Câmara Federal desde 1980.
São abundantes expressões como: “entreguismo da nação ao espólio do capitalismo internacional”; “imperialismo japonês no Brasil”; “Brasil, meu Brasil japonês”.
Na capa: “Projeto JICA: enclave japonês ocupa intestinos do cerrado no Brasil Central. É a INVASÃO JAPONESA”.
Essa deturpada narrativa que também mencionava “expulsão de pequenos agricultores brasileiros e substituição pelos japoneses” teve influência e desdobramentos políticos muito importantes. Em encontro de pré-campanha buscando validar diretrizes para o plano agrícola do candidato da oposição à Presidência da República, Tancredo Neves, o coordenador, líder de classe e então Presidente da FAEAB – Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, o gaúcho Luiz Carlos Pinheiro Machado, expressou: “os cerrados devem permanecer exercendo sua função de suporte a pecuária extensiva baseada em pastagens nativas”. Em seguida, propunha suspender o acordo Brasil/Japão. Essa mobilização ocorreu no auditório principal do Minascentro, em Belo Horizonte.
Tancredo venceu as eleições, porém faleceu na véspera da posse, assumindo o Vice-Presidente José Sarney, que nomeia os Ministros já indicados por Tancredo, tendo como titular do Ministério da Agricultura o Senador gaúcho Pedro Simon. Com ele, e muito empoderado, o mencionado o agrônomo Pinheiro Machado como assessor.
Nos bastidores do centro do poder político, voltou a ser proposta a suspensão da cooperação nipo-brasileira.
Governo novo com gana de poder acumulada pelo longo período de oposição, fui ao encontro do novo Ministro da Agricultura, por articulação de José Hugo Castelo Branco, Chefe da Casa Civil da Presidência. Atendimento protocolar e só nós dois. Peço licença para pequena apresentação que incluía vídeo de cinco minutos sobre a origem do Projeto, a essência da cooperação e as imagens recentes das transformações em curso, destacando depoimentos de agricultores gaúchos que antes não possuíam terra (eram arrendatários ou filhos de pequenos produtores). No vídeo, uma foto de Tancredo ,então governador de Minas, inaugurando o conjunto de silos da Cooperativa.
Terminada minha curta exposição e a sonolência do ministro, seguiu-se o silêncio e o final do encontro.
O Ministro Pedro Simon e seu assessor (que viria a ser logo após Presidente da EMBRAPA) não sabiam que Castelo Branco fora presidente do BDMG à época em que seu amigo Tancredo Neves era governador de Minas Gerais. Ambos com convicção da importância do Projeto.
Importante registro: como governador eleito de Minas Gerais quatro anos antes deste episódio, Tancredo escrevera carta, entregue em mãos ao poderoso Ministro Delfim Neto reconhecendo a importância do PRODECER e solicitando apoio para seu desenvolvimento. Carta de um reconhecido líder oposicionista histórico ao poderoso Ministro (Fazenda, Planejamento e Agricultura) do Governo Militar.
De novo, Paolinelli e outro líder, Aureliano Chaves, ex-Governador de Minas Gerais e ex-Presidente da República, tiveram atuação relevante.
Em tudo isso, visão de Estado construindo pontes para o futuro.
Incredulidade e desconhecimento por parte da escassa e rarefeita população da região dos cerrados são marcas da história até 1960. Referiam-se, basicamente, duas condições naturais para o bioma cerrado: as chapadas e os vãos (vales), revelando as diferenças entre solos, regime de chuvas e temperatura. Hoje encontram-se mais de uma centena de microambientes.
O fio condutor das transformações: o conhecimento em processo continuado.
A evolução que hoje é uma conquista histórica e de dimensão planetária deve ser comemorada, mas tem suas exigências. Como em recorde olímpico, mantê-lo é difícil; superá-lo então, muito mais custoso ainda.
No processo de desenvolvimento dos cerrados ouvimos a expressão “antes de depois” do PADAP, do POLOCENTRO ou do PRODECER. Isso exigiu muito esforço, abnegação, desprendimento e sacrifício para superação. Famílias temporariamente separadas, condições, às vezes inóspitas e maior exposição a acidentes com muitas sequelas e até mortes. Vida com tal intensidade que levava à beira do limite das capacidades. Viver meses sob lona com ou sua família, enfrentando o desconhecido e o desafio de vencer não foi fácil para os empreendedores. Sem sua fibra o conhecimento não teria sentido.
Tudo isso valoriza o orgulho destes que muito contribuíram para fazer um novo Brasil e partir da evolução própria e da família, da sua cooperativa, do município e da região.
São notáveis os exemplos e fatos que compõem essa transfiguração que também vivi e trago na memória. Por intimidade, lembro-me da histórica de Paracatu (MG) parada no tempo com o esgotamento do garimpo de ouro de aluvião:
possuía dois profissionais de nível superior ligados à agricultura em 1979. Hoje são mais de cem;
não produzia grãos; e hoje é o maior centro produtor de sementes de milho do Brasil;
não havia irrigação; hoje com cerca de 70 mil constitui uma das maiores áreas irrigadas do país por município, com produção agropecuária diversificada, faculdades, laboratórios e um polo alcooleiro.
Do mesmo modo, dezenas de municípios da região dos cerrados pontuam como líderes em desenvolvimento no país.
Finalizando, em 2009, na avaliação do acordo do PRODECER, ao término daquele que o governo japonês considera o mais exitoso programa de cooperação, constatou-se que os cerrados que nada produziam de soja em 1979, já ofertavam para o Brasil e o mundo 10% da produção global.
E a cada ano vem diversificando, ampliando a produção e intensificando os processos sustentáveis.
Como no pódio olímpico, o desafio é manter a marca: visão de estado, ciência e empreendedorismo são basilares.
*Paulo Afonso Romano
Ex-Secretário Executivo do Ministério da Agricultura (1974/1979)
Ex-Presidente da CAMPO (1979/1992)
Atualmente, Diretor do SGB- Serviço Geológico do Brasil
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