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AUSTERIDADE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Atualizado: 22 de out. de 2021






A política econômica não pode ser apenas uma concepção de tecnocratas, que modelam um conjunto de decisões racionais para superar uma crise de falta de crescimento, de emprego e de oportunidades, e que se realiza num vácuo político. Toda política econômica, ao ser implementada, envolve mudanças nos interesses e nos direitos dos diferentes grupos sociais.

Não há um Real na estrutura das despesas públicas que não tenha vinculação com determinado grupo social, setor produtivo ou região administrativa. Tampouco há um único decreto ou peça de legislação relevante que seja neutro politicamente em relação a interesses estabelecidos e consolidados em algum segmento econômico e social da população.

Assim, a configuração de uma política econômica somente será crível em sua viabilidade operacional, a partir do contexto histórico em que se insere. Há políticas econômicas que dão certo e políticas econômicas que não funcionam, não apenas por suas inconsistências técnicas, mas, principalmente, porque não se encaixam adequadamente à realidade política do país.

Uma política de ajuste fiscal visando ao equilíbrio das finanças do setor público consolidado, e que não pode prescindir de reformas no sistema tributário e previdenciário e na estrutura da administração federal, induz uma avalanche de decisões que impactam conflitos de interesses e tensões políticas por todos os lados. Benefícios e ganhos podem ser abortados; custos e perdas podem se generalizar; incertezas podem se espraiar nas entranhas da sociedade.

Esse tipo de política tem que ser arquitetado levando-se em conta a consistência entre o tempo da economia e o tempo da política, considerando que os seus custos sociais se dão no curto prazo e os seus eventuais benefícios se dão no médio e no longo prazo. Em uma democracia política, toda decisão que muda os rumos da economia precisa ser negociada, consensualizada e pacificada com a sociedade civil.

Uma política econômica que não se limita a ajustes incrementais, mas a grandes transformações, não é, definitivamente, compatível com governos populistas e líderes autoritários que desencadeiam ações corrosivas das instituições, que arregimentam a população contra a informação e o conhecimento científicos. Como diz Barry Eichengreen, historiador econômico da Universidade de Berkeley: “O populismo é divisivo e provoca, recorrentemente, desacordos e tensões entre interesses conflitantes na sociedade”.

Afirma, também, que o populismo floresce em contextos de fraco desempenho da economia, desigualdades sociais e regionais profundas, mobilidade social declinante e precário campo de oportunidades para as novas gerações.

Nesse contexto, um governo populista não resiste à tentação de intervir na trajetória da política econômica com medidas casuísticas de grande apelo popular, de questionar a legitimidade das instituições científicas que tomam decisões de longa maturação ou reorientar políticas públicas que contrariam interesses velados de sua base eleitoral. Assim é se lhe parece.

Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.

Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 11/02/21.

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