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GESTÃO DO TERRITÓRIO



*JOSÉ SCOLFORO


Primeiramente faz-se necessário estabelecer uma distinção entre territorialidade e gestão do território, pois para Bertha Becker (1988), são duas faces, conflitivas, de um só processo de reorganização política do espaço contemporâneo. A gestão territorial é conceitualmente mais ampla e inclui aspectos sociais e econômicos, relações de poder e componentes políticos da tomada de decisão, na busca do direcionamento, no tempo e no espaço, das múltiplas finalidades, decisões e ações em base territorial, de forma coerente. Compreende a forma de interação entre homem e o espaço natural considerando a utilização e aproveitamento assegurando que sejam preservados os recursos do mesmo. Já o território pode ser identificado com o espaço do Estado-Nação e, dessa forma, associa-se à noção de soberania, poder e controle, além de conter um sentido de enraizamento e de identidades sociais.


A lei nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001, Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, e estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Dentre as várias normativas estabelecidas nesta lei o Art. 4º considera que para os fins desta, serão utilizados, entre outros instrumentos: I - planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II - planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III - planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social; IV - institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros; V - institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; (Alínea acrescida pela Medida Provisória nº 459, de 25/3/2009 convertida na Lei nº 11.977, de 7/7/2009) u) legitimação de posse. (Alínea acrescida pela Medida Provisória nº 459, de 25/3/2009 convertida na Lei nº 11.977, de 7/7/2009) VI - estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). § 1º Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei. § 2º Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente. § 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.


Esta abordagem para áreas urbanas se cumpridas em todo território nacional permitiria mais dignidade ao ser humano, mais preservação ambiental redução das áreas de risco, mais qualidade de vida e certamente um planejamento contínuo de todo o território urbano com benefícios para toda sociedade.


Uma outra abordagem da Gestão Territorial está relacionada a como fazer esta gestão em harmonia com a preservação e a conservação dos recursos naturais. Neste caso o que se busca é a mesma harmonia que deveria existir na gestão urbana, no entanto, o foco estaria centrado de forma mais efetiva em compreender como os aspectos bióticos e os aspectos físicos do ambiente podem gerar em harmonia com os aspectos sociais, econômicos e institucionais de organização do Estado, zonas de desenvolvimento que respeitem a diversidades e peculiaridades regionais e possibilitem a elaboração de políticas que levem a gestão mais adequada do território brasileiro.


O Zoneamento Ecológico Econômico, a Gestão Ambiental Integrada, estão dentre várias possibilidades, de se ter instrumentos para viabilizar a Gestão Territorial na busca da promoção do desenvolvimento sustentável.


O principal ganho com O Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE, é mostrar com um grau de definição espacial e numa escala semi-quantitativa, que possibilite comparações até então inexistente, além da identificação da fragilidade ou vulnerabilidade do ecossistema e a potencialidade social ou o ponto de partida de cada município. Contudo, por exemplo, não cabe ao ZEE definir até que ponto a qualidade ambiental de uma dada região deva ser mantida, ou que regiões do Estado podem ainda ser desmatadas e ocupadas com lavouras intensivas, e tampouco cabe ao ZEE decidir se, quando e como as desigualdades regionais serão combatidas prioritariamente. Essas são decisões que, pela sua complexidade, extrapolam em muito a competência da ZEE.


Historicamente, é inegável que a época dos grandes planejadores, do dirigismo estatal já passou. Cremos que a tendência atual é que as decisões sejam tomadas cada vez mais localmente, o que implica em maior participação democrática, mas também em desuniformidade de critérios, imediatismo, opinião pública desinformada, etc. Porém, o que o ZEE nunca poderá fazer é usurpar a função do tomador de decisões, já que o balanço entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico é subjetivo e particular a cada grupo populacional. Por outro lado, tomada uma decisão e definidos os objetivos e meios disponíveis, o ZEE tem muito a contribuir.


O ZEE tem capacidade de mostrar, com precisão espacial bastante alta, quais porções de terreno, dentro de um ou vários municípios, têm maior ou menor probabilidade de se deteriorar após a implantação de certo empreendimento. O ZEE também tem capacidade de mostrar um retrato social daquele dado município. Isso permite ao tomador de decisões definir em qual área do município o empreendimento deve ser instalado e quais cuidados sócio-ambientais o empreendedor terá que tomar (erosão? desmatamento? poluição? saneamento? educação?).


Após avaliar os prós e os contras, o tomador de decisões pode concluir que não vale a pena implementar o empreendimento no município escolhido inicialmente. Pode ser que seja mais interessante escolher outro município para implementar o empreendimento, mesmo que este apresente ponto de partida menos favorável em relação a aspectos sócio-econômicos.


O decreto 4.297/2002 define o Zoneamento Ecológico Econômico para planejamento que gera indicadores sobre as potencialidades e as fragilidades dos meios físico, biótico e socioeconômico, capazes de subsidiar a tomada de decisões nos diferentes níveis hierárquicos do aparelho governamental, com vistas a viabilizar o desenvolvimento sustentável e harmônico do território brasileiro.


Dentre os muitos benefícios de um zoneamento ecológico econômico o Copam, MG considera em sua deliberação normativa Nº 129, de 27 de novembro de 2008, que este instrumento possibilita subsidiar a elaboração de macro-políticas territoriais, de acordo com as diretrizes de planejamento estratégico de Minas Gerais e do Brasil; apoiar os empreendimentos estaduais, na implantação de políticas setoriais e infra-estrutura conexa; fornecer as regiões e municípios diagnósticos gerais e uma perspectiva global sobre a realidade do estado; necessidade de Incentivar estudos qualitativos e quantitativos sobre os recursos para aumentar a capacidade de análise dos projetos seja pelo setor público seja pela iniciativa privada; necessidade de elaborar bases para os modelos ambientais (naturais e antrópicos), cenários exploratórios e elaborar diagnósticos ambientais e prognósticos de impactos positivos e negativos; e a necessidade de estabelecer o desenvolvimento equilibrado e sensato dos meios naturais bióticos e abióticos com os potenciais humanos, natural, jurídicos e institucionais.


Alguns conceitos são fundamentais para que a gestão do território possa ser viabilizada de maneira cientificamente consistente.


Recomendação Técnica: é um plano de ações a serem executadas visando modificar ou manter um prognóstico. Uma recomendação técnica é limitada à dimensão técnica do problema e não aborda todos os aspectos políticos, culturais, e econômicos envolvidos num problema.


Qualidade Ambiental é a capacidade de um dado ecossistema sustentar os seres vivos ali existentes, incluindo o Homem, por tempo indefinido. É conceito altamente subjetivo e difícil de ser avaliado.


Vulnerabilidade Natural é a incapacidade do meio-ambiente de resistir ou recuperar-se de impactos antrópicos negativos. Pressupõe-se uma situação atual que deve persistir ou se recuperar. Adaptado do conceito de resiliência, consagrado em Física, Ecologia e Economia.


Desenvolvimento Sustentável é quando se consegue, em sua concepção e implementação, um equilíbrio entre crescimento econômico sustentado, melhor distribuição da renda e da riqueza, e qualidade adequada do meio ambiente (HADDAD, 2004);


Potencialidade social é o conjunto de condições atuais, medido pelos potenciais produtivo, natural, humano e institucional que determina o ponto de partida de um município ou uma micro-região para alcançar o desenvolvimento sustentável (Haddad 2004).


- Zoneamento Ecológico-Econômico - é a representação cartográfica de um território dividido em zonas homogêneas quanto à possibilidade de um dado empreendimento humano ser viável e sustentável sócio-econômica e ambientalmente. Decisões e ações são tomadas por a quem de direito compete e não pelo zoneamento ecológico-econômico.


Desta forma a qualidade dos bancos de dados em uma região, um estado ou no país são fundamentais para que se possa de fato respeitar as diversidades regionais e construir mecanismos que possibilite ao Gestor poder em harmonia com outros poderes, estabelecer políticas de desenvolvimento que propicie um País, um Estado ou uma Região, obedecendo suas peculiaridades, gerar riquezas em harmonia com a conservação e a preservação dos recursos naturais.


Dentre estes bancos de dados considera-se primordiais no Meio geo-biofísico - Geologia - Geomorfologia - Pedologia - Mineração - Climatologia - Hidrologia/Hidrogeologia - Cobertura vegetal - Unidades de Conservação - Fauna – e outros. No Meio sócio-econômico-político ao considerar o Potencial Produtivo: Arrecadação do INSS - Consumo energético - Turismo - Transporte hidroviário, aeroviário e rodoviário - Telecomunicações - Rendimentos do chefe do domicílio - Densidade de emprego industrial - Rentabilidade agropecuária Meio sócio-econômico-político e outros. No Potencial Institucional: Autonomia político-administrativa - Participação político-eleitoral Meio sócio-econômico-político e outros. No Potencial Natural: Distribuição fundiária - Cobertura florestal - Aptidão agrícola dos solos - Recursos minerais - Extrativismo da fauna e flora Meio sócio-econômico-político e outros. No Potencial Humano: Infra-estrutura hospitalar - Sanidade - Sobrevivência infantil - Abastecimento domiciliar de água - Saneamento domiciliar - Coleta domiciliar de lixo - Anos de estudo do chefe de domicílio - Alfabetização - Dinâmica urbana - Densidade rural e outros.


Quando comparada a gestão do território em Áreas de Proteção Ambiental (APA), e de um Estado, a primeira tem zoneamento com escala mais detalhada que uma abordagem estadual típica de um ZEE. Assim, logicamente, dentro do território de uma dada APA, o seu zoneamento específico se sobreporá ao ZEE.


Já a relação do ZEE com os planos diretores municipais é um tanto diferente. Embora antecipe-se que o ZEE será uma grande fonte de dados e informações para a elaboração dos planos diretores, o foco dos planos diretores municipais são as cidades e seu entorno imediato (zonas urbana e peri urbana). O ZEE, por outro lado, pela sua própria natureza, tende a ser direcionado aos grandes espaços rurais e a interação destes com as cidades. Assim, mais que uma sobreposição com os planos diretores, haveria possibilidade de uma complementação. Reconhecendo as especificidades das zonas urbanas, as áreas efetivamente ocupadas por cidades e núcleos populacionais constituíram uma “zona de uso especial” no ZEE.


A relação entre o ZEE e os zoneamentos agro-ecológicos é bastante diversa. Primeiramente, é necessário ressaltar que o termo “ecológico” no Zoneamento Ecológico-Econômico tem um significado diferente do “ecológico” dos Zoneamentos Agro-ecológicos. Nos Zoneamentos Agro-ecológicos, a palavra “ecológico” é tomada no sentido literal-científico. Assim nos Zoneamentos Agro-ecológicos, avalia-se a capacidade do meio (o “eco”) em sustentar uma dada atividade agropecuária (o “agro”). Fica claro, portanto, que nos Zoneamentos Agro- ecológicos tradicionais, o “ecológico” está subordinado ao “agro-”. No ZEE, a palavra “ecológico” é considerada no sentido mais comum e coloquial, quase como sinônimo de preservação ambiental. Assim, no ZEE, os aspectos ecológicos são avaliados ao mesmo nível de igualdade dos aspectos econômicos (aliás, sócio-juridíco-econômicos).


O ZEE e os zoneamentos agro-ecológicos complementam-se de maneira excelente. Os zoneamentos agro-ecológicos apontam quais terras têm maior ou menor viabilidade agronômica para o cultivo de uma dada cultura agrícola. O ZEE, por outro lado, mostra quantitativamente a vulnerabilidade natural das terras e a situação sócio-econômica dos municípios. Uma dada porção do terreno poderá ser ideal para plantio de uma dada cultura, porém pode apresentar alta vulnerabilidade (risco de erosão, espécies endêmicas etc.). Em função da situação sócio-econômica desse município caberá ao tomador de decisões definir se vale a pena implantar tal cultura ou não, definir onde exatamente dentro do município tal cultura deverá ser cultivada e quais cuidados ou compensações deverão ser aplicados. Eventualmente, o tomador de decisões pode optar por implantar a cultura numa área não tão adequada do ponto de vista agronômico, mas que tenha menor vulnerabilidade natural.


Muitas outras perguntas e respostas podem ser aplicadas ao ZEE, como avaliações estratégicas da rede rodoviária do estado, na agricultura, na mineração, no saneamento, nas hidroelétricas e pequenas centrais hidroelétricas dentre outros temas. Outro ponto importante que deve ficar claro, é que o ZEE “apenas” separa o estado em zonas homogêneas quanto aos aspectos ecológicos e econômicos. O ZEE não aponta quais culturas podem ou não ser cultivadas (aliás, o zoneamento agro-ecológico também não) nem quais minerais devem ser explorados. O ZEE não indica qual o melhor ou o pior modelo de desenvolvimento. Enfim, o ZEE, feliz ou infelizmente, não define rumos. O ZEE é como um mapa rodoviário, que mostra inúmeras estradas, mas cada viajante (empresa, órgãos públicos, associações e sociedade em geral) deve escolher onde quer chegar e qual o roteiro mais adequado para lá chegar.


REFERÊNCIAS

BECKER, Bertha, Geografia e Resgate da Geopolítica. Revista Brasileira de Geografia (IBGE). V 50, n 2, 1988.


Deliberação Normativa COPAM Nº 129, de 27 de novembro de 2008. Dispõe sobre o Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE como instrumento de apoio ao planejamento e à gestão das ações governamentais para a proteção do meio ambiente do Estado de Minas Gerais. (Publicação – Diário do Executivo – “Minas Gerais” – 29/11/2008).


HADDAD, Paulo R. Força e fraqueza dos municípios de Minas Gerais. Cadernos BDMG Nº8. Belo Horizonte, abril de 2004.


Lei Federal 10.257 de 10.07.2001 - Estatuto da Cidade, 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_


SCOLFORO, J.R.S.; CARVALHO, L.M.T.; OLIVEIRA, A.D. Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais – Componentes Geofísico e Biótico. Lavras: Editora UFLA, 2008.


SCOLFORO, J.R.S.; OLIVEIRA, A.D; CARVALHO, L.M.T. Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais – Zoneamento e Cenários Exploratórios. Lavras: Editora UFLA, 2008.


SCOLFORO, J.R.S.; OLIVEIRA, A.D; CARVALHO, L.M.T. Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais – Componente Sócioeconômico. Lavras: Editora UFLA, 2008.


SCOLFORO, J. R. S.; OLIVEIRA, A.D.de; MARQUES, J.J. Visão geral do Zoneamento Ecológico-Econômico. In: ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO. Volume 1. (Não Publicado). 2008.


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