Quando um país consegue reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento, convergindo as condições de vida das regiões mais pobres para as condições de vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente as políticas públicas para evitar a reversão desses desequilíbrios e da convergência ao longo do tempo.
Em artigo publicado no New York Times, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008, mostra que as disparidades regionais de desenvolvimento não são um fenômeno novo nos EE.UU. Antes da II Grande Guerra, a nação mais rica e produtiva do Mundo era também a nação com milhões de fazendeiros muito pobres, sendo que muitos não tinham eletricidade e água encanada em suas casas. Mas até 1970 essas disparidades foram rapidamente diminuindo.
Krugman toma como exemplo o Estado do Mississipi, o mais pobre dos EE.UU. Nos anos 1930, a renda per capita do Mississipi era apenas 30% da renda per capita do Estado de Massachusetts. Nos anos 1970, essa relação subiu para 70%. Esperava-se, então, que esse processo de convergência continuasse.
Entretanto, o processo se reverteu e o Mississipi está atualmente com uma relação de apenas 55% da renda per capita de Massachusetts. Krugman destaca que o Mississipi está tão pobre quanto as áreas costeiras da Sicília em relação ao Norte da Itália.
No caso brasileiro, a região economicamente menos desenvolvida era o Nordeste. No Governo JK, em 1959, foi criada a SUDENE para promover o desenvolvimento da Região, tendo, à frente da Superintendência, a liderança intelectual de Celso Furtado. Durante as três primeiras décadas de sua organização, a SUDENE conseguiu induzir o crescimento econômico regional, através de um sistema de incentivos fiscais e de intensos investimentos em infraestrutura econômica e social do Governo Federal. Nesse período, em diversos anos, as taxas de crescimento da Região foram superiores ao crescimento médio nacional.
No século XXI, a posição relativa do PIB do Nordeste no PIB brasileiro tem oscilado entre 13 e 14%, sendo que, nos anos de 2018 e 2019, o PIB nordestino cresceu praticamente a metade do PIB nacional, o qual foi apenas de 1,1 % ao ano. Pode-se dizer que, no Nordeste, o velho modelo de crescimento econômico regional não morreu e o novo modelo de desenvolvimento sustentável ainda não nasceu. O velho modelo muito dependia do aporte direto ou indireto de volumosos recursos do Governo Federal, que passa atualmente por uma profunda crise fiscal e financeira. E o novo modelo de desenvolvimento sustentável esbarra no déficit de capitais e valores intangíveis da Região (social, institucional, humano, empreendedorismo, endogenia, etc.) os quais são responsáveis, em última instância, por resgatar, endogenamente, a Região das entranhas do atraso econômico e da pobreza social.
Mantidas as atuais taxas de crescimento do Nordeste e do Brasil, serão necessárias muitas décadas para que a Região e os seus Estados atinjam 70% do PIB per capita do País. Uma assimetria espacial no padrão de vida dos brasileiros, que é politicamente intolerável em uma democracia federativa moderna.
É bom lembrar que o Budismo nos ensina que não há nada mais democrático do que o sol que, quando se levanta, ilumina igualmente todas as regiões.
Paulo R. Haddad é professor emérito da UFMG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco.
Texto originalmente publicado no jornal O Tempo em 11/02/21.
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