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POR UM BRASIL MAIS VERDE





*Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain, Elisio Contini e Roberta Dalla Porta Grundling.



A combinação de instabilidade econômica com catástrofe sanitária é uma ameaça explosiva. Números e projeções apontam que esta não será apenas mais uma crise econômica. Se antes da pandemia havia certo ceticismo quanto a economia global, os aumentos nas inflações de diversos países em período de contração da demanda, sugere que a crise não é conjuntural e as dificuldades podem se arrastar por anos seguidos.


A recuperação não será fácil, especialmente porque o pós-pandemia, que pode ser comparado com um pós-guerra em escala global, além de investimentos para a retomada econômica, requererá exames completos dos modelos de negócios e o fortalecimento dos setores que possam contribuir com a pronta recuperação da vida social. Ao intensificar as forças geopolíticas e econômicas já em ação, a pandemia deixará marcas duradouras na economia global e o verde será o mote principal conforme indicam os discursos dos presidentes dos Estado Unidos da América e da China ao final da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26). Esses discursos deixaram claro que a dimensão ambiental será um importante vetor da geopolítica. Além disso, as apresentações de vários representantes do sistema financeiro mundial, inclusive do Banco Central do Brasil, indicam que o clima será um balizador dos investimentos globais uma vez que os eventos climáticos extremos aumentaram em, aproximadamente, 20% o risco dos investimentos durante a última década.


Também é consenso que a questão climática possui forte relação com a pobreza e a fome. Não se trata de ressuscitar o espectro da fome de Malthus, que, aliás, há muito vem se dissipando. Afinal, desde 1961, o abastecimento alimentar per capita aumentou mais de 30%, acompanhado pelo maior uso de fertilizantes (aumento de 800%) e irrigação (aumento de 100%). Não obstante os avanços, o problema da fome ainda persiste e tem adquirido uma nova dimensão analítica, sob a ótica do meio ambiente. As ‘quebras de safras’ em decorrência de eventos climáticos são cada vez mais frequentes, por exemplo, as estatísticas revelam que entre 1980 e 2018, as mudanças climáticas levaram a redução de 1,27%, 1,73% e 0,41% nas produções chinesas de trigo, milho e soja. Importante é que a incerteza e o consequente oportunismo associado às ‘quebras de safra’ estão sendo superados. Por exemplo, tecnologias como a desconstrução e reconstrução da biomassa e a produção de alimentos ‘em laboratório’, embora ainda distantes da produção em escala, têm grande potencial para dar maior estabilidade ao mercado global de alimentos. Além das ‘quebras de safra’, as questões climáticas orientam novos padrões de consumo, segmentando ainda mais o mercado que, se por um lado impõem restrições, de outro lado, gera oportunidades para agregação de valor à produção agrícola.


Para além das contribuições individuais e compromissos multilaterais de quase 200 países, a COP26 encerrou com o Pacto de Glasgow que objetiva conter a elevação da temperatura em 1,5°C. O Pacto também encoraja a aceleração da transição para energia de baixa emissão e a redução nos subsídios de combustíveis fósseis. Glasgow também olhou para a questão da transparência encorajando o uso de marcos temporais comuns entre os países e todos os países concordaram em enviar informações sobre suas emissões e apoio financeiro, tecnológico e de capacitação, usando um conjunto comum e padronizado de formatos e tabelas. Além disso, foram aprovadas a regras para o mercado de carbono internacional e avanços importantes relativos a perdas e danos.


Além dos resultados da COP 26 e da associação com o risco aos investimentos, a pobreza e a fome, existem vários outros indicativos de que a dimensão ambiental será o grande vetor do desenvolvimento sustentável nas próximas décadas. Essa é uma realidade instigante, especialmente para um país como o Brasil tido como a ‘potência ambiental’ e a ‘fonte estratégica de alimentos para a humanidade’, que precisa ser mais bem discutida. Afinal, o que vem estimulando a dimensão ambiental sustentável?


O conceito de desenvolvimento sustentável, que implica no uso dos recursos naturais, sociais e econômicos sem comprometer as gerações futuras, pode ser entendido como um prisma em que a dimensão econômica atua como o pivô dos ajustes nas dimensões social e ambiental e entre elas. A dinâmica do desenvolvimento, medida pela produtividade e orientada pelos mercados, historicamente privilegiou a dimensão social. Não é por caso que a produtividade da mão de obra aumentou milhares de vezes desde o século XVII e o setor agrícola contribuiu para reduzir o custo dessa mão de obra pela via dos alimentos. A título de exemplo, a produtividade da mão de obra aumentou em 1.400% entre 1950 a 2018 na Alemanha e o custo da cesta básica em São Paulo reduziu de 220 horas para 112 horas entre 1988 a 2020.


A questão atual é que a dinâmica do desenvolvimento orientado pela dimensão social parece ter encontrado seu limite. As novas tecnologias calcadas na Tecnologia da Informação e da Comunicação aceleraram a produtividade da mão de obra em ritmo maior que a expansão dos mercados, gerando assim uma contradição econômica. Além dessa contradição, a baixa preocupação com a dimensão ambiental resultou em novas fontes de risco para a economia, a exemplo dos eventos climáticos extremos e do aquecimento global, tidos como os principais elementos das ‘quebras de safra’ na atualidade.


Os resultados da COP 26 e os discursos de vários dos seus atores sobre meio ambiente não são mero acaso, eles refletem a raiz do desafio para o desenvolvimento sustentável, qual seja, radicalizar o uso sustentável dos recursos naturais de modo a gerar ‘novos’ mercados, garantindo assim a sustentabilidade social. Se não há dúvidas de que o conceito de intensificação na produtividade sustentável dos recursos naturais está se consolidando, notadamente com o advento da pandemia, o ‘como fazer’ ainda não é claro, especialmente ao se considerar que a atenção se desloca para os recursos naturais havendo, em escala mundial, crescente inquietação quanto às suas capacidades de suporte.


As propostas de uma nova ordem econômica, calcada numa concepção abrangente do desenvolvimento sustentável com ênfase na produtividade dos recursos naturais, ganham destaque fazendo com que a prosperidade no futuro seja cada vez mais multifacetada e tendo como pivô a utilização dos recursos ambientais de forma mais produtiva e socialmente mais justa. Essa constatação leva a uma nova questão: quais as implicações para o Brasil, país tido como uma ‘potencial ambiental’?


Segundo o Observatório da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), alguns países menos desenvolvidos na África e na Ásia, além da China, têm sido os maiores receptores do financiamento verde. Já o Brasil, apesar de 74% dos brasileiros ter muito ou algum interesse em meio ambiente e 78% se mostram pouco ou nada satisfeitos com a preservação ambiental no país, está no outro extremo. Quando os brasileiros são indagados sobre as preocupações relacionadas à sustentabilidade, os resultados são: 42% indicam bem-estar, saúde e renda das comunidades como as questões que mais preocupam e 38% creem ser as questões ambientais, como poluição, aquecimento global, desmatamento, lixo, uso da água, as que mais importantes.


Essa realidade é no mínimo estranha para um país como o Brasil em que a abundância em recursos naturais é o grande ativo e a sociedade apoia o desenvolvimento verde. É bem verdade que os investimentos verdes vêm aumentando no país, mas, em ritmo insuficiente. Em 2012, pouco menos de 18% do crédito a pessoas jurídicas era direcionado às atividades enquadradas em Economia Verde. Em 2020, esta participação subiu para 22%. Em relação às atividades com maior exposição ao risco ambiental, a participação caiu de 50%, em 2012, para 44% em 2020.


O Brasil já pagou um preço elevado por ser uma das economias mais fechadas do mundo, é chegada a hora de reverter essa situação embarcando na onda verde, mas, o que fazer?


Uma prioridade que mobiliza a sociedade global e, portanto, a soberania nacional, que deve receber atenção máxima, são a Amazonia e o Pantanal. Não se trata de discussões fragmentadas sobre desmatamento, pobreza ou logística. Se trata de estabelecer um projeto para o desenvolvimento sustentável dos biomas que tenha por objetivos a geração de bem-estar com base no emprego e na renda, respeitando os limites dos recursos naturais. A advocacia global dos projetos Amazonia e Pantanal deve iniciar com uma ação forte de repressão aos comportamentos ilegais. A essa repressão deve se seguir a identificação de investimentos com ênfase na promoção de recursos latentes, o que não é difícil para uma região que dispõem de mais de nove mil profissionais com doutorado. Pesca e aquicultura, produção de cacau em sistemas agroflorestais, madeira em sistema de manejo sustentável, assai e guaraná são exemplos de produções já estabelecidas na Amazonia que merecem atenção. Também merecem atenção na Amazonia os sistemas agrícolas integrados (lavoura, pecuária e floresta) e a produção de palma para a adequação ambiental das áreas já antropizadas. No caso do Pantanal, além da promoção de atividades latentes, é preciso atenção com a preservação do ciclo das águas que vem sendo comprometido pela degradação ambiental no Cerrado.


Nos demais biomas (Cerrado, Mata Atlântica e Pampa), sempre há a possibilidade de promover o desenvolvimento calcado no uso sustentável dos recursos naturais, porém, são ganhos marginais se comparado às possibilidades que a economia circular gera, especialmente no campo da infraestrutura, que deve liderar os investimentos em escala global uma vez que, com poucas exceções como a China, o mundo se defronta com enorme déficit em infraestrutura. O Diálogo de Investidores em Infraestrutura do G20 estimou em US$ 81 trilhões o volume necessário de investimentos globais em infraestrutura até 2040, US$ 53 trilhões dos quais em países não desenvolvidos. O Diálogo projetou um hiato de aproximadamente US$ 15 trilhões no mundo, sendo US$ 10 trilhões nas economias menos desenvolvidas. O Banco Mundial, por sua vez, estimou que, para as economias emergentes e em desenvolvimento atingirem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos para 2030, as necessidades de investimento em infraestrutura são da rodem de 4,5% de seus PIB anuais. O Brasil, por exemplo, tem feito investimentos em infraestrutura pouco acima de 2% do seu PIB.


Investimentos em infraestrutura verde deverão ser priorizados em escala global e parte importante no pós-covid estará nas cidades. Melhores serviços de abastecimento de água e saneamento, assim como mudanças no suprimento de energia, reciclagem (resíduos e água) e maior eficiência energética dos edifícios são exemplos a serem perseguidos. Outra parte do ‘verdejamento’ vem da energia. A despeito dos avanços, a economia brasileira está novamente sujeita ao risco energético. O Brasil é talvez o país mais bem posicionado na possibilidade da expansão na geração calcada em fontes alternativas como a biomassa, a fotovoltaica, a eólica e a hidroelétrica. A potencial crise hídrica e elétrica tem sido, no entanto, um componente comum no País, o que sugere a existência de um problema recorrente na gestão (pública e privada) dos recursos naturais, que não incorpora as mudanças climáticas.


A China vem surfando na onda verde e Pequim anunciou o objetivo de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2060. O recém-lançado Plano Quinquenal (2021-2025) também traz metas ligadas à transição energética do país, que demandarão uma série de transformações estruturais em que a sustentabilidade ambiental é o elemento central. O redirecionamento a um mundo mais sustentável – e no qual a China tem um papel de liderança cada vez mais claro – traz uma série de oportunidades e desafios para o Brasil, tendo em vista as diversas sinergias bilaterais nas agendas de comércio, investimentos e cooperação tecnológica.


O contraste entre a escassez de opções verdes para investimento, particularmente em economias como o Brasil, e o excesso de poupança aplicada em formas líquidas e de baixo retorno na economia global merece ser confrontado. Isso é um alento para um país com enorme déficit em infraestrutura e considerado uma ‘potência ambiental’ como o Brasil.

‘Verdejar’ a economia é o negócio do Brasil, e aí vem a pergunta: quais as consequências para o agro do Brasil?


Antes de discutir as consequências, é importante ressaltar que a matriz que permeia a agricultura no Brasil desde os primórdios é: orientação pelos mercados externos e o ‘espírito capitalista’ dos ganhos de escala e de produtividade calcados na inovação. Os engenhos de cana de açúcar no período colonial foram um exemplo de inovação induzida pelo exterior ao tratar da integração entre a agricultura e a indústria em um mesmo locus de produção. O café, após uma longa migração do Pará para a região Sudeste, já no século XVIII também foi permeado pelo ‘espírito capitalista’ a ponto de ser considerado como a fonte de acumulação de capital que alavancou o processo de industrialização no Brasil.


Todos os ciclos, embora exitosos segundo suas concepções calcadas nas dimensões econômica e social à época, produziram tensões ambientais, notadamente quanto ao desmatamento e à degradação do solo, mas, nada se compara ao ciclo que se inicia em meados do século passado quando o mundo ainda vivia sob o espectro da fome e a tese de Tomas Malthus era o fio condutor de várias políticas globais. Um marco desse último ciclo foi a institucionalização do serviço de assistência técnica e extensão rural nas décadas de 1950 e 1960, a partir da criação nos estados das associações de crédito e assistência rural (ACAR), coordenadas pela Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), criada em 1956. No contexto da polarização política, econômica e militar da Guerra Fria, a criação das associações deveu-se, sobretudo, a incentivos da Associação Internacional Americana para o Desenvolvimento Social e Econômico (AIA) entidade filantrópica ligada à família Rockfeller.


Nessa esteira vieram instituições e programas como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID) e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer) que patrocinaram diversos planos agrícolas para o Brasil, com destaque à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba que enfatizaram a expansão da agricultura em direção aos Cerrados do Sudeste e do Centro-Oeste, além da agricultura irrigada na Caatinga. Essas ações, reforçaram a faceta socioeconômica da agricultura brasileira uma vez que os projetos agrícolas financiados pelo capital internacional nas décadas de 1960 a 1980 privilegiaram o aumento da produção via expansão da área e intensificação do capital sem maior preocupação com a dimensão ambiental. Os avanços tecnológicos com algum apelo ambiental – merecem destaque os programas de microbacias, o plantio direto e o uso de microrganismos em substituição aos produtos químico- foram mais orientados pelo aumento da produção física do que pela mitigação ambiental.


A orientação de aumento da produção agrícola implicou no aumento das tensões da agricultura com o meio ambiente, que até a década de 1970 estavam concentradas na Mata Atlântica, tanto em escala geográfica como em complexidade segundo os biomas do Brasil. Enquanto o Cerrados, a Mata Atlântica e o Pampa fizeram parte do processo de desenvolvimento, Amazonia e Pantanal ficaram à margem.


Na Mata Atlântica, a diversificação e a intensificação da produção agrícola, levaram a grande depredação ambiental e da biodiversidade com consequências importantes para a sociedade brasileira. Por exemplo, além de contribuir para a escassez hídrica e as ‘nuvens de poeira’ atuais, o avanço da agricultura na Mata Atlântica foi responsável pela contaminação de vários elementos naturais a ponto do mel produzido atualmente na região conter traços de defensivos químicos. Problemas sanitários como o Mal de Chagas, consequência da degradação ambiental da Mata Atlântica em meados do século passado, tendem a se repetir no presente com o avanço da Febre Amarela.


No Cerrado, bioma em que o avanço da agricultura é mais recente quando comparado à Mata Atlântica, apesar de ter se tornado referência mundial na produção de grãos, fibras e carnes, a intensificação da escala proporcionou o surgimento de problemas ambientais e de prejuízos à biodiversidade. A ocupação desordenada e a consequente degradação dos solos nos Cerrados, tido como o berço das águas no Brasil, está contribuindo para a crise hídrica das regiões Sudeste e Nordeste e, principalmente, está afetando o ciclo das águas no Pantanal.


Na Caatinga, a evolução da agricultura contribuiu significativamente para aliviar a pobreza na região e suas consequências nas demais regiões do país. A questão é que, além de ser uma agricultura exigente em tecnologia e capital, é altamente dependente da água oriunda dos Cerrados. A limitação de água constrangeu o avanço dessa agricultura no bioma e não possibilitou um alívio significativo da pobreza. Como consequência, a agricultura dependente de chuva se manteve praticamente na marginalidade intensificando seu caráter predatório ao meio ambiente.


A agricultura no Pantanal e na Amazônia, apesar de atividade secular, ainda não se engajou na dinâmica moderna que predomina nos demais biomas. De algum modo, a falta desse engajamento tem contribuído para a predominância de uma agricultura predatória nesses biomas. As tentativas de avanço do modelo de agricultura que predomina nos Cerrados e na Mata Atlântica nesses biomas têm sido objeto de críticas. Em que pese muitas das críticas serem infundadas, fica claro que, assim como foi desenvolvido um modelo próprio de agricultura para os Cerrados, o Brasil precisa investir em inovação com ênfase numa agricultura sustentável nesses Biomas.


Os sucessos e as virtudes na história da agricultura brasileira são inúmeros sendo marcante a preponderância da faceta socioeconômica. A questão é que as velocidades de avanço do conhecimento nas dimensões social e ambiental foram incompatíveis com as mudanças globais resultando, assim, em tensões. Cada bioma, com suas características específicas, apresenta questões críticas que apesar de peculiares à sua região, evidenciam interdependência entre as dimensões social, ambiental e econômica. O impacto causado em uma das dimensões repercute de alguma maneira em outra dimensão, indicando que ações fragmentadas não serão eficazes na formulação da estratégia e na implementação de programas, políticas e iniciativas, visando ao desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira. Recuperação e preservação das características básicas dos biomas, uso mais eficiente e sustentável dos recursos naturais e serviços ambientais e ecossistêmicos, todos tendo a inovação como instituição principal, deve ser a tônica da agricultura sustentável nos biomas brasileiros.


Não há dúvidas quanto a importância do Brasil e sua agricultura para a agenda climática global.


Se a energia fóssil foi o vetor do desenvolvimento socioeconômico durante o último século, o sequestro de carbono o será no século em curso. Nenhuma região no globo terrestre tem tanta importância para a nova ordem de desenvolvimento quanto o Brasil, porém, é preciso transformar esse ativo ambiental em renda e desenvolvimento. Para tanto, são necessárias metas claras e exequíveis, a começar pelo fim do desmatamento ilegal e a reciclagem de resíduos. Em seguida são necessárias alterações profundas no modelo agrícola brasileiro, enfatizando aumento da produtividade sustentável dos recursos naturais – o que implica na recuperação das áreas degradadas, na substituição de insumos químicos por biológicos e no uso intensivo de tecnologias de comunicação, entre outras ações.


Se a agenda ambiental parece clara para o Brasil, as desconfianças e os ataques de toda ordem não o são. Afinal, como a mulher de Cesar, não basta ser honesta, é preciso parecer honesta. Nesse sentido, não é por caso que o acrônimo ESG, (Environmental, Social and Governance) está em voga.

O conceito ESG, fruto de uma numa iniciativa da Organização das Nações Unidas com as instituições financeiras em 2004, teve por objetivo inicial unir as instituições financeiras de vários países a partir dos temas:


Environmental (Ambiental): se refere às práticas ambientais, ou seja, como a empresa reduz o impacto ambiental e se preocupa com questões como o aquecimento global, a eficiência energética, a gestão de resíduos, a poluição e a sustentabilidade dos recursos naturais.


Social (Social): como a empresa respeita as relações com seus clientes, colaboradores e funcionários. Os temas envolvidos nesta pauta são inclusão e diversidade; direitos humanos; engajamento dos funcionários; privacidade e proteção de dados; políticas e relações de trabalho; relações com comunidades e treinamento da força de trabalho.


Governance (Governança): como a empresa adota as melhores práticas de gestão corporativa, a exemplo da diversidade; ética e transparência; estrutura dos comitês de auditoria e fiscal; e política de remuneração da alta administração.


Na verdade, o ESG é uma ‘velha senhora’ repaginada que representa o conjunto de práticas ambientais, sociais e de governança. Cuidar do meio ambiente, ter responsabilidade social e adotar as melhores práticas de governança não é novidade. Na década de 1970 o Clube de Roma já chamava atenção para esses temas. A questão é: porque a ‘velha senhora’ ressurge?


Do lado financeiro, quando o dinheiro estava correndo fartamente e poucos previram a crise financeira de 2008, foi cunhado o termo Cisne Negro. Após a crise de 2008, a urgência em tentar antecipar as crises e o aumento de eventos extremos em consequência das mudanças climáticas, levou o Bank for International Settlements (BIS), conhecido como "o banco central dos bancos centrais", a publicar o livro The green swan (O cisne verde). O livro alerta que, na atualidade, o investimento privado supera em muito o investimento público global e que os eventos climáticos extremos, que aumentaram sua frequência e magnitude, trazem grandes custos. As interrupções na produção e os aumentos repentinos de preços, entre outros efeitos, podem afetar desde a vida das pessoas, até países, com consequências para as instituições financeiras. Ou seja, um efeito cascata, decorrente das mudanças climáticas, pode ensejar uma crise financeira global, consequentemente, o setor financeiro se posiciona como um importante enforcement da questão ambiental.


Não há dúvidas de que o Cisne Verde já permeia todos os setores da economia e a pandemia teve um efeito indireto positivo de aumentar a importância da agenda climática. Por exemplo, como parte da Estratégia do Acordo Verde europeu para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a Comissão Europeia está considerando levar estabelecer um imposto sobre o carbono nas importações. Esse imposto poderá redefinir a competitividade global em uma série de setores, especialmente se acompanhado pelos Estados Unidos da América. Investimentos que não se comprometam com a sustentabilidade dos recursos naturais (Ambiental), que não gerem impactos sociais positivos (Social) e não sejam plenamente auditáveis e transparentes (Governança), terão dificuldade em prosperar.


No caso do Brasil, arcabouços como o Código Florestal, que leva em conta o impacto do bioma na biodiversidade e no meio ambiente, são exemplos das instituições brasileiras que garantirão os investidores. Porém, há muito o que fazer para o Brasil incrementar a sua reputação ESG e algumas atitudes não ajudam. Por exemplo, o discurso de que o Brasil é o país que dispõem da maior área preservada pode ser entendido como um aval para a desmatamento. Além disso, essa afirmação não leva em conta que há grande diferença para o clima global o desmatamento da floresta boreal e o desmatamento da floresta Amazônica. Não é por acaso que o código florestal brasileiro autoriza diferentes índices de desmatamento segundo os biomas brasileiros.

Considerações finais


O Brasil dispõe de importantes ativos ambientais e, portanto, está no centro do remodelamento da globalização. Nem tanto pelo seu poder geopolítico, mais, pela importância dos seus biomas para mitigação das mudanças climáticas, em especial a Amazonia. Além disso e apesar dos problemas atuais, que são mais um ‘tropeço’ do que a regra na reputação ambiental do Brasil, a exuberância do clima tropical, o acúmulo de conhecimento e a capacidade de inovação e a resiliência das instituições, coloca o Brasil na preferência mundial para projetos de investimento em desenvolvimento sustentável.


A necessidade de investimento e a carência de recursos financeiros internos sugerem que o respeito às instituições vigentes relacionadas com o meio ambiente, a exemplo do Código Florestal, interessa tanto ao Brasil quanto ao mundo. Cabe aos brasileiros escolher a via correta levando em conta que, apesar das mudanças, na geopolítica, a negociação pragmática ainda supera o enfrentamento. Além disso, competência para tornar o Brasil mais verde não falta ao país, o maior desafio está em estender as pontes entre o investimento verde e as fontes privadas, no momento às voltas com poucas oportunidades de obter retornos compatíveis com suas exigências. Para tanto, é necessário: i) o desenvolvimento de projetos estruturados, com riscos e retornos em conformidade com as preferências dos investidores; e ii) reduzir os riscos legais, regulatórios e políticos. Ou seja, embarcar na ‘onda ESG’ é condição essencial para tornar o Brasil mais verde.



*Pedro Abel Vieira - Pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, pedroabelvieira@gmail.com.

*Antônio Marcio Buanain - Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, buainain@gmail.com.

*Elisio Contini - Pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, elisio.contini@embrapa.br.

*Roberta Dalla Porta Grundling.Analista da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, roberta.grundling@embrapa.br.


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